segunda-feira, 3 de novembro de 2014

REPENTES, MOTES E GLOSAS: FONTE: Pedro Fernando Malta

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO

Casaca-de-Couro num pé de mandacaru
Zezo Correia trabalhando o tema “A vida de um passarinho”:
Canta a cauã com agouro
Em cima de uma aroeira
No ninho da quixabeira
Canta a casaca-de-couro
Eu admiro é um louro
Lá no oco apertadinho
Dentro criar um filhinho
Com tanta satisfação
Causando admiração
A vida de um passarinho.
Vê-se um maracanã
Rasgando espiga de milho
Pra dar comer a seu filho
Todo dia de manhã
Também vejo a ribaçã
Pôr pelo chão sem ter ninho
Deixar o ovo sozinho
Depois tirar sem gorar
Isso faz admirar
A vida de um passarinho.
* * *
Espedito de Mocinha
Eu nasci e me criei
Aqui nesse pé de serra
Sou filho nato da terra
Daqui nunca me ausentei
Estudei, não me formei
Por que meu pai não podia
Jesus, filho de Maria
De mim se compadeceu
Como presente me deu
Um crânio com poesia!
* * *
Pedro Bandeira
Quero a minha sepultura
Na sombra de uma favela
Onde morreu minha vaca
E meu cavalo de sela
Pra ninguém saber se os ossos
São meus, do cavalo ou dela.
* * *
Dedé Monteiro
Cantador pra imitar o triplo gênio
De um Xudú, de um Filó e de um Geraldo,
É preciso que tenha um grande saldo
De grandeza, de fé, de oxigênio;
E, além disso, passar quase um decênio
Preparando o bogó do coração
Pra juntar ferramenta e munição
Necessárias na guerra das ideias
Que provoca o delírio das plateias
Embaladas por tanta inspiração.
* * *
Diniz Vitorino
Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.
* * *
Jó Patriota
Mesmo sem beber um trago
Sinto que estou delirando
Tal qual um cisne vagando
Na superfície de um lago
Se não recebo um afago
Vai embora a alegria
A minha monotonia
Não há no mundo quem cante
Sou poeta delirante
Vivo a beber poesia !
* * *
Pinto do Monteiro
 
Minha corda não se estica
Não se tora nem se enverga
Da terra pro firmamento
Meu pensamento se alberga
Em um lugar tão distante
Que lente nenhuma enxerga.
* * *
João Paraibano
Quando o dia começa a clarear
Um cigano se benze e deixa o rancho
A rolinha se coça num garrancho
Convidando um parceiro pra voar
Um bezerro cansado de mamar
Deita o queixo por cima de uma mão
A toalha do vento enxuga o chão
Vagalume desliga a bateria
Das carícias da noite nasce o dia
Aquecendo os mocambos do sertão.
* * *
João Igor
Poeta desde criança
Cantador desde menino
Acho que é dom divino
Não existe semelhança
Ainda tenho esperança
De um dia aparecer
Alguém para me dizer
Ou tentar me explicar
Se o que me faz cantar
É o que me faz viver.
Inda não se descobriu
É um mistério da ciência
Todo tipo de experiência
Nenhum efeito surtiu
Até fora do Brasil
Já tentaram entender
Mas não tem o que fazer
Tenho que me contentar
Se o que me faz cantar
É o que me faz viver.
* * *
Marcos Passos
Pinte o quadro da lembrança
Com o pincel do pensamento;
Recorde o encantamento
Dos bons tempos de criança!
Sinta luzes de esperança
Brilhando cor de marfim;
Contorne o painel carmim
Que a inspiração desenhou
E diga pra quem sonhou:
Poesia se faz assim!
No caldeirão da saudade
Junte a tristeza que chora
Com o riso que foi embora
Nas asas da mocidade.
Tempere o gosto da idade
Com amargura sem fim;
Prove a paz de um querubim
Tão puro de sentimentos,
Depois brade aos quatro ventos:
Poesia se faz assim!
Leia versos do sertão
De Jó e Zezé Lulu,
Manoel Filó e Xudu,
De Louro e Sebastião,
De Biu Crisanto e Cancão
Que decantou o jasmim
Cultivado no jardim
Do autor da natureza,
Então, fale com certeza:
Poesia se faz assim!
Se espelhe no repentista
Imortal Rogaciano,
Em João Paraibano,
Dedé Monteiro, um artista;
Antônio Marinho na lista
Dos mestres que não têm fim;
Depois, igualmente a mim,
Louve Pinto do Monteiro,
Propagando ao mundo inteiro:
Poesia se faz assim!
DEZ MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO BIOGRÁFICO

Os saudosos poetas repentistas Lourival Batista e Pinto do Monteiro, cantando  em Caruaru, no ano de 1969
Pinto do Monteiro cantando com Lourival Batista:
Pinto do Monteiro
 
Lourival você é mesmo
Um bamba na cantoria
Pois, tanto tem improviso
Como tem muita teoria
Porém para os companheiros
Lhe falta ‘deplomacia’.
Lourival Batista
Você tem muita poesia
Como em outro eu nunca vi
Porém o seu português
É fraco pelo que ouvi:
Dizendo o ‘deplomacia’
Tire o ‘e’ e bote ‘i’.
Pinto do Monteiro
Troquei o ‘e’ pelo ‘i’
Fiz nas letras a mistura
Mas o colega desculpe,
Não é falta de cultura,
Pois tudo isto acontece
A quem não tem dentadura.
Lourival Batista
Lourival não lhe censura
Por pronunciar assim
Mas se é por falta de dentes
Bote outros de marfim
Pra não errar outra vez
Que vier cantar ‘comim’.
Pinto do Monteiro
Agora eu achei ruim
A frase do meu amigo
Onde foi que você viu
Comim em vez de comigo?
Eu disse ‘deplomacia’
Mas uma dessas não digo.
* * *
Dimas Batista
Deus vê do céu bem visíveis
Nossos íntimos dilemas
Pra Ele não tem problemas
De soluções impossíveis
Desde que são infalíveis
Os atos do grande ser
Todos têm que obedecer
Rico, pobre, bom ou mau
Não cai a folha de um pau
Sem nosso Deus não querer.
* * *
Manoel Filó
No sertão tem uma aranha
De uma qualidade escassa
Que tapa a sua morada
Com lã da cor de fumaça
O tecido é tão perfeito
Que a chuva bate e não passa.
* * *
Anjo Mendes do Condado
Da galinha eu gosto muito
De certos pedaços dela
Duas asas, duas coxas,
Dois coxões e a titela,
Pescoço com sobrebunda,
Coração, figo e moela.
* * *
Zé Catota
Na noite que eu nasci
O diabo pisava em brasa
A peitica no quintal
Cantava e batia asas
Passava um rasga mortalha
Rasgando em cima da casa.
Na noite que eu nasci
Na terra deu-se um abalo
Ladrava cão no munturo
Corria burro e cavalo
E as galinhas no puleiro
Cantavam mais do que galo.
* * *
Zezo Correia Patriota
Canta a cauã com agouro
Em cima de uma aroeira
No ninho da quixabeira
Canta a casaca-de-couro
Eu admiro é um louro
Lá no oco apertadinho
Dentro criar um filhinho
Com tanta satisfação
Causando admiração
A vida de um passarinho
Vê-se um maracanã
Rasgando espiga de milho
Pra dar comer a seu filho
Todo dia de manhã
Também vejo a ribaçã
Pôr pelo chão sem ter ninho
Deixar o ovo sozinho
Depois tirar sem gorar
Isso faz admirar
A vida de um passarinho.
* * *
Adauto Ferreira Lima
Quando o sujeito envelhece
Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.
UM MOTE BEM ATUAL E SETE MESTRES DO REPENTE

* * *
Dimas Batista
Há diversos cantores do sertão
que não têm sentimento nem receio
de cantar nos salões serviço alheio,
de Raimundo Pelado e Azulão,
de Zé Duda ou Manuel do Riachão,
maltratando os colegas com lamúrias. 
Descarrego em um destes minha fúria,
porque sempre abomino o vitupério,
eu só canto com homens de critério,
pois cantar verso alheio é uma injúria.
Basta um cabra não ter disposição
pra viver do serviço de alugado, 
pega numa viola e bota ao lado,
compra logo o “Romance do Pavão”,
a “Peleja do Diabo e Riachão”
e a “História de Pedro Malazarte”.
Sai no mundo a gabar-se em toda a parte
e a berrar por vintém em mei da feira.
Parasitas assim desta maneira
é que têm relaxado a minha arte.
Inda existem diversos poetaços
que, além de banais, são pervertidos, 
namoristas, gabolas, enxeridos,
imprudentes, pedantes e devassos,
que nas partes que andam, deixam traços
comprovantes de infames impostores.
Denuncio estes vis conquistadores,
porque deles tornei-me adversário.
Qualquer pai de família é necessário
ter cuidado com certos cantadores.
Não faz nojo a catinga dos timbus,
nem das feras carnívoras da mata,
não faz nojo a matéria putrefata
que alimenta os famintos urubus.
Das hienas, chacais e caititus,
nojo algum me provoca aquele cheiro.
Os micróbios que há no mundo inteiro
não me fazem ficar nauseabundo.
Só o que me faz nojo neste mundo
é a língua de um cabra fuxiqueiro.
Poetinha imoral, indecoroso,
pra cantar não me chame, que eu não canto,
se sentado ao meu lado, eu me levanto,
não dou gosto a cantor escandaloso,
porque todo indivíduo audacioso
tem baixezas que a honra lhe consomem.
Eu só canto com homem mesmo homem,
cabra ruim não escuto dois minutos,
que quem dá liberdade a certos brutos
tá comendo no cocho que eles comem.
* * *
Arimatéia Macêdo
Fui criado conhecendo a poesia,
De cantadores repentistas nordestinos,
Meu velho pai era um desses paladinos,
Que versava com imensa maestria,
Eles faziam rimas com enorme alegria,
Neste instante eram muito ovacionados,
Pelos versos que teriam recitados,
Nas rezas, nos clubes, e até na gafieira,
Apreciei alguns artistas consagrados,
Bem na sombra do loureiro e da oliveira.
Conheci João Furiba e Zé Ferreira…
Valdir Teles, Zé Cardoso e Gavião…
Elomar, Antônio Ferreira e Azulão…
Marcolino, Mestre Chico e João Bandeira…
Sílvio Grangeiro, Ismael e Zé Pedreira…
Pedro Bandeira e Vilanova renomados…
Dos festivais têm saído premiados…
Assim como Louro Branco e Quixabeira…
Apreciei alguns artistas consagrados…
Bem na sombra do loureiro e da oliveira.
Geraldo Amâncio, Marreco e Marcolino,
Zé Batista, Daudeth e Chico Bandeira,
Jomaci, Cravo Branco e Paulo Pereira,
Zé Vicente, Zé Cardoso e Laurentino,
Pinto do Monteiro, Sebastião e Clementino,
Diniz Vitorino e Lourinaldo laureados,
Otacílio e Lourival são diplomados,
Oliveira de Panelas é de primeira,
Apreciei alguns artistas consagrados,
Bem na sombra do loureiro e da oliveira.
Conheci Jotão e Alexandre Ribeiro…
Mouzinho, Lourenço e Antônio Lisboa…
Sebastião, Fenelon e Arnaldo Pessoa…
Antônio de França e Guriatã de Coqueiro…
Zé Galdino e Miguelzinho Violeiro…
Patativa era um dos mais celebrados…
Os seus escritos foram muito bem gravados…
Pude assistir a Rouxinol e a Lavandeira…
Apreciei alguns artistas consagrados…
Bem na sombra do loureiro e da oliveira.
* * *
Valdir de Lima
Lembrança não me faz medo
Nem choro não me faz dó:
Eu te mando sair daqui
Te meto no xilindró…
Se resmungar, leva peia!
Se chorar leva cipó!
Eu pegando uma viola,
Não sirvo de mangação:
Sou que nem onça no inverno
E cascavel no verão!
Cantador metido a duro
Me vem pedir a benção.
* * *
Sebastião Cândido dos Santos
Já nasci assim
Sou cabra valente
Minha fama é na cantiga
Sou feroz é no repente
Colega, tome cuidado,
Escute, fique ciente:
Eu, pegando um cantador
Sou pior que dor de dente!
* * *
Cego Aderaldo
A tua cintura fina,
De corpo de manequim
Tem este formato assim,
Porque fostes bailarina
O esporte de grã-fina.
Mas sem querer fazer troça,
Com quem dança e canta bossa
Eu afirmo sem temor,
Se praticares amor,
Em pouco tempo ela engrossa.
* * *
Maurício Menezes
Procurei encontrar inspiração
Num recanto de terra pequenina
Pra fazer um poema em descrição
Das histórias da vida nordestina
Mas olhando para a força dessa gente
Vi que um verso não é suficiente
Pra mostrar a beleza do que vejo
Um poema seria um disparate
Não há verso no mundo que retrate
A grandeza do povo sertanejo.
* * *
Otacílio Batista
Eu nasci lá no velho Pajeú,
São José do Egito é minha cidade
Comecei com dezessete de idade,
Imitando a voz do uirapuru.
Nesta hora canto eu e cantas tu,
Que a minha cantiga nada afeta
É preciso ter uma ideia concreta
Que o povo entenda o que é cantoria
E se poeta vencer-me em poesia,
Não direi a ninguém que fui poeta.
DEZ MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE GRACEJO

Leandro Gomes de Barros  (Nov/1865 – Mar/1918)
* * *
Leandro Gomes de Barros
Meus versos inda são do tempo
Que as coisas eram de graça:
Pano medido por vara,
Terra medida por braça,
E um cabelo da barba
Era uma letra na praça.
*
Suspira Brasil! suspira!
Tens razão de suspirar,
Já vi-te rir no prazer,
Hoje te vejo chorar,
Qual uma barca sem norte,
Vendo os vai-vem da sorte
Esperando naufragar.
*
Quando o velho Santo Jó
Viu-se doente e leproso
No Recife Alfeu Raposo
Mandou-lhe uma fricção,
A mulher dele mandou
Pedir ao Dr. Tomé
Na farmácia São José
O Elixir da Salvação.
São Pedro era pescador
Antes de seguir Jesus
Quando o Dr. Santa Cruz
Tomou conta de Monteiro
Nero Imperador Romano
Mandou um seu paladino
Chamar António Silvino
Para ser seu cangaceiro.
* * *
Jânio Leite
Fui gerado e criado lá na roça
Convivi toda infância com meus pais
Não cursei faculdades federais
Minha lição foi puxar burro em carroça
Com a mão calejada e a pele grossa
De um trabalho tão árduo e tão pesado
Na enxada, na foice e no machado
Meu alimento foi feijão e rapadura
Calo seco é anel de formatura
Pra quem fez faculdade no roçado.
* * *
Natália Monteiro
Eu nasci num recanto diferente
Onde a paz triunfante é quem comanda
Mas se a chuva não vem ela desanda
Da maneira que está ultimamente
Mas meu sangue é de um povo persistente
E ao invés de ficar desesperada
Digo a Deus : Meu Senhor muito obrigada
Tenho orgulho daqui deste meu chão
Eu nasci nas caatingas do sertão
Uma terra por deus abençoada.
* * *
João Paraibano
Quando o dia começa a clarear
Um cigano se benze e deixa o rancho
A rolinha se coça num garrancho
Convidando um parceiro pra voar
Um bezerro cansado de mamar
Deita o queixo por cima de uma mão
A toalha do vento enxuga o chão
Vagalume desliga a bateria
Das carícias da noite nasce o dia
Aquecendo os mocambos do sertão.
* * *
Cego Aderaldo
(No decorrer de uma visita ao Rio de Janeiro)
O clima do meu sertão
É mais quente e mais sadio,
Não é um clima abafado
Como este clima do Rio.
O sapo do Ceará,
Vindo aqui morre de frio.
* *
João Firmino
(Quando do falecimento do Cego Aderaldo)
Foi a forte aroeira que ruiu
Ao contato do gume do machado.
Foi o ferro melhor já fabricado
Que o mercado do mundo jamais viu;
Foi o trem, sem destino, que partiu,
E ao longo da estrada deu o prego;
Como Homero, também, ele era cego
A quem todo o seu povo admirava…
Para ser o próprio Homero só faltava
Ao invés de cearense ser um grego!
* * *
José Lucas de Barros
(Em homenagem ao poeta repentista Diniz Vitorino Ferreira)
Nunca vi, em cantiga improvisada,
um poeta maior do que Diniz,
e acredito que Deus mandou chamá-lo
por achar que este mísero país
nunca soube entender o seu valor
nem tampouco ajudá-lo a ser feliz!
Sem Diniz, a viola nordestina
vai chorar, sem consolo, noite e dia;
o poeta dos versos mais perfeitos
se despede de nossa cantoria,
mas no coro dos anjos, lá no céu,
entra mais um maestro da poesia.
* * *
Lino Pedra Azul
Meu povo, quando eu morrer
Coloquem no meu caixão
Meu uniforme de couro
Meu guarda-peito e gibão
Com um bonito retrato
Do meu cavalo Alazão.
* * *
Manoel Bentevi
Na vida ninguém confia
Em nada sem ter certeza
São obras da natureza
Tudo que a terra cria:
Gente, ave, bicharia,
Tudo começou assim.
O homem é quem é ruim
Nada bom ele planeja
Por muito forte que seja
A morte pega e dá fim.
* * *
Moacir Laurentino
Acho bonito o inverno
Quando o rio está de nado
Que o sapo faz oi aqui
Outro oi do outro lado
Parece dois cantadores
Cantando mourão voltado.
* * *
Um folheto de Apolônio Alves dos Santos
A MOÇA QUE SE CASOU 14 VEZES E CONTINUOU DONZELA
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No outro século passado
na fazenda Jequié
havia uma donzela,
religiosa de fé
no seu batismo lhe deram
o nome de Salomé
Salomé era uma virgem
de estimada simpatia,
filha de um fazendeiro
criou-se muito sadia,
era a moça mais formosa
do estado da Bahia
Contava 22 anos
aquela jovem tão bela
sempre, sempre aparecia,
namorado para ela
casou-se 14 vezes
e continuou donzela.
Um daqueles namorados,
que Salomé arranjou,
era um rapaz forte e moço
em poucos dias casou,
mas sua morte súbita
todo mundo admirou.
Porque em menos dum ano
que ele tinha casado,
começou enfraquecendo
pálido e desfigurado
a noite deitou se vivo
e amanheceu finado.
TRÊS POETAS NORDESTINOS

Olegario
Olegário Mariano Carneiro da Cunha (Recife, Mar/1889 – Rio de Janeiro, Nov/1958)
* * *
O PINTINHO CEGO – Olegário Mariano
É ridículo, não nego:
Mas como me comovia
Aquele pintinho cego
Que eu criava e não me via.
O meu cuidado primeiro,
Quando cansado chegava,
Era indagar do caseiro
Meu ceguinho como estava.
E ele que vivia a sós,
Num momento aparecia.
Certamente conhecia
O timbre da minha voz.
Vinha vindo e tateando
Pela grama do jardim.
Abaixava-se piando
A esperar com alegria
A festa que eu lhe fazia
Quando o tinha junto a mim.
Uma vez… (se bem me lembro
Era o mês de dezembro)
Pus a criadagem tonta…
Ninguém dele dava conta.
Fiquei louco, furibundo,
Pus em campo todo mundo,
Gente corria assustada
Pelo jardim, pela estrada,
Até que o acharam com frio,
Longe, num campo baldio,
Tonto, sem poder voltar.
O seu caminho de volta
Era escuro e misterioso
Como uma noite sem luar.
Então resolvi prende-lo:
Fiz-lhe uma casa de palha
E a todo instante ia vê-lo.
Desse modo procurava
Dar-lhe paciência e esperança
Enquanto ele era criança,
Para aguardar o futuro
Mais escuro que o esperava.
Mas o destino, na trama
Como a aranha o prendeu.
O caseiro resolveu
Soltá-lo um pouco na grama…
E ele desapareceu.
Quando no fim de semana
Voltei à minha choupana…
Vinha feliz! Mal sabia
Que ele não mais existia.
E me acreditem, não nego,
Chorei com pena e saudade
Daquele pintinho cego
Que não via a claridade
Do sol que ilumina o dia,
Que dá vida a todos nós,
E entanto me conhecia
E era feliz quando ouvia
O timbre da minha voz.
* * *
RETRATOS DO PASSADO – Onildo Barbosa
Meu Sertão de minha vida
Caminhos por onde andei
Casa velha onde nasci
Açudes que me banhei
Estradas de chão batido
Chapéu de couro curtido
Lua cheia de verão
Cheiro de curral de gado
São retratos do um passado
Na minha imaginação.
Caminhos tortos, riacho,
Porteira aberta, vazante.
Gravatá brotando cacho
Um sol se pondo distante,
Rastros de pássaros na areia,
Sorriso de lua cheia,
Cantiga de Azulão,
Um rouxinol no telhado
São retratos do passado
Na minha imaginação.
O NATAL NA VISÃO DE UM POETA NORDESTINO

natal-nordestino1
O VERDADEIRO NATAL – Um folheto de Azulão
Peço a Deus Pai Poderoso
Inspiração divinal
Com a mensagem sagrada
Da mansão celestial
Eu vou escrever rimado
O verdadeiro Natal
Natal de Jesus Menino
Templo de amor e bondade
Data santa que registra
O símbolo da cristandade
Que se resume em três coisas
Salvação, paz e verdade
Jesus o Menino Deus
Filho do Pai Criador
Que veio ao mundo tirar
As culpas do pecador
Depositando nos homens
Bondade, paz e amor
Portanto o seu nascimento
É para ser festejado
Com paz e amor ao próximo
Cumprindo o dever sagrado
De remendar o pobre
Faminto e desamparado
O verdadeiro Natal
De Jesus Nosso Senhor
É dar a criança pobre
Amparo consolador
E ter a seu semelhante
Como a si, o mesmo amor
Porém o homem de hoje
De Deus estar muito ausente
Confundindo o seu amor
Com vaidade imponente
E dando a humanidade
Outro Natal diferente
Porque o Natal de hoje
Estar sendo transformado
Em festa, luxo e banquete
Que descristianizado
Toma um sentido contrário
Do que já foi no passado
É este o Natal sem Cristo
Que o homem faz hoje em dia
Movendo festa mundana
Com baile e bebedoria
Transformando a santa festa
Em farra e desarmonia
É este o Natal que tira
A fé no cristianismo
Encarretando família
Para um cenário de abismo
Trocando a festa de Cristo
Por coisas do paganismo
Jesus não ama a riqueza
Grandeza nem burguesia
Não escolheu palacete
Princesa nem fidalguia
Nasceu de uma virgem pobre
Numa manjedoura fria
POEMAS DE NATAL NORDESTINADOS

CARTA A PAPAI NOÉ – Luís Campos
 
Seu moço eu fui um garoto
Infeliz na minha infância
Que soube que fui criança
Mas pela boca dos outo.
Só brinquei com os gafanhoto
Que achava nos tabuleiro
Debaixo dos juazeiro
Com minhas vaca de osso
Essa catrevage, sêo moço
Que a gente arranja sem dinheiro.
 
Quando eu via um gurizin
Brincando de velocipe
De caminhão e de gipe
Bola, revólver e carrin
Sentia dentro de mim
Desgosto que dava medo
Ficava chupando o dedo
Chorando o resto do dia
Só pruquê eu num pudia
Pegar naqueles brinquedo.
 
Mas preguntei uma vez
A uns fio de dotô
Diga, fazendo um favô
Quem dá isso pra vocês?
Mim respondeu logo uns três
Isso aqui é os presente
Que a gente é inocente
Vai drumí às vêis nem nota
Aí Papai Noé bota
Perto do berço da gente.  
 
Fiquei naquilo pensando
Inté o Natá chegá
E na Noite de Natá
Eu fui drumi mim lembrando
Acordei fiquei caçando
Por onde eu tava deitado
Seu moço eu fui enganado
Que de presente o que tinha
Era de mijo uma pocinha
Que eu mermo tinha botado
 
Saí c’a bixiga preta
Caçando os amigos meu
Quando eles mostraram a eu
Caminhão, carro e carreta
Bola, revólver, corneta
E trem elétrico, até
Boneca, máquina de pé
Mas num brinquei, só fiz vê
E resolvi escrevê
Uma carta a Papai Noé.

6 dezembro 2013

DEZEMBRO, MÊS DE JESUS

* * *
Um folheto de Manuel Camilo dos Santos
NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE JESUS
No ano de trinta e nove
Viajei para o sertão
Do Rio Grande do Norte
Com a minha profissão
Cantando e vendendo versos
Por vila e povoação
Cheguei num dia de sábado
Na vila de São Miguel
Às cinco horas da tarde
Me hospedei num hotel
Depois me deram um cartão
Do padre João Rafael
O cartão dizia assim:
Seu cantor, não lhe conheço
Mas se quer cantar um pouco
Minha casa lhe ofereço
De acordo a seu valor
Também farei o seu preço
Eu disse ao portador
Depois do cartão ter lido:
O senhor diga ao vigário
Que vou fazer-lhe o pedido
Pra faltar a gente boa
Antes eu não fosse nascido
O hoteleiro me disse:
— O vigário é especial
Às sete horas da noite
Me preparei afinal
Foi muita gente comigo
Pra casa paroquial
Chegando na porta eu vi
O padre se levantar
Com muita delicadeza
Tratei de o cumprimentar
Às ordens, seu reverendo
Disse ele: pode sentar
Sentei-me numa cadeira
Com a viola afinada
O padre também sentou-se
Noutra cadeira encostada
Perguntou se eu cantava
na Escritura Sagrada
DEZ MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO SOBRE GETÚLIO VARGAS

Francisco Maia de Queiroz, o popular Louro Branco, poeta, repentista e compositor
Louro Branco
Amo meus pais como prova
Porque são meus genitores
Mamãe na cova sem dores
Papai com dores sem cova
Mamãe morreu muito nova
Papai ficou sem aquela
Hoje a casa dele e dela
Não é dela e nem é dele
Mamãe na cova sem ele
Papai na casa sem ela.
* * *
Maria Rafael dos Anjos Ferreira (Rafelzinha)
Quem quiser sentir saudade
Faça do jeito que eu fiz
Deixe seu torrão natal
Sem querer como eu não quis
Saia por necessidade
Que depois você me diz
Para fazer como eu fiz
Não precisa ter coragem
Depende da precisão
Fazer de tudo embalagem
Se subir num caminhão
Chorar durante a viagem
Foi de cortar coração
Na hora da despedida
Saí de onde nasci
Pra terra desconhecida
Por contraste a incerteza
De arrumar o pão da vida
Foi na hora da partida
Quem assistiu lamentava
Era bem de tardezinha
Uma chuva se formava
Para o lado do nascente
Ai era que eu chorava.
Quanto mais longe eu ficava
Mais a saudade crescia
Olhava tanto pra trás
Que o pescoço me doía
Pra ver se ainda avistava
A casa que eu residia
Era tão grande o meu pranto
Que Joãozinho se comovia
De vez em quando eu olhava
Me ajeitava, me pedia
Lelê não chore tanto
Nós vamos voltar um dia.
* * *
Espedito de Mocinha
Eu nasci e me criei
Aqui nesse pé de serra
Sou filho nato da terra
Daqui nunca me ausentei
Estudei não me formei
Porque meu pai não podia
Jesus filho de Maria
De mim se compadeceu
E como presente me deu
Um crânio com poesia.
* * *
Zé Limeira
Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando para ela
Cheio de contentamento
O satanás num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento.
Eu vi uma gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcaça de um jumento
Que bicho má, peçonhento
Lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento.
* * *
Chico Alves
A ema tem ligeireza
Seja no claro ou na luz
Possui asas mas não voa
É parente de avestruz
E pesa setecentos gramas
O ovo que ela produz.
* * *
Inácio da Catingueira
Tenho pena de deixar
A Serra da Catingueira
A Fazenda Bela Vista
A maior dessa ribeira
O Riacho do Poção,
As quebradas do Teixeira.
* * *
João Paraibano
Poesia uma das flores
Que só Deus beija a corola
Joia que a mão não segura
Se aprende sem escola
Imagem que a gente amarra
Com dez cordas de viola.
* * *
Valdir Teles
Minha mulher já brigou
Com minha própria cunhada,
Chamou a irmã safada
Porque me cumprimentou.
Inda ontem perguntou
Por que é que essa cadela,
Só vem na minha janela
Quando você se apresenta?
Eita mulher ciumenta
Essa que casei com ela!
* * *
Lourival Batista
Sua vida inda está boa
A minha é que está ruim
Que você tá no começo,
Eu já tô perto do fim;
Tô perto de ficar longe
De quem tá perto de mim.
* * *
Assis Coimbra
Eu vou mandar construir
Cadeia para corrupto,
Pois pra mim é um insulto
Essa laia progredir.
E de lá só vão sair
Para o “roubo” devolver.
Depois eu torno prender,
Esse bando de safado,
Que muito já tem roubado,
Faça igual que eu quero ver.
* * * 
Um folheto de Rodolfo Coelho Cavalcante
A CHEGADA DE GETULIO VARGAS NO CÉU PARA JULGAMENTO
Quando Getúlio morreu
O manto da natureza
Tingiu-se todo de luto
Mostrando maior tristeza
Soluçando pelo astro
Que brilhou com mais grandeza.
De manhã o sol não quis
Demonstrar o seu fulgor
O mar sereno gemia
Num espetáculo de dor
E a lua no espaço
Perdeu toda a sua cor.
Os homens aqui da Terra
Perderam suas razões
Em desespero gritavam
Como se fossem leões
Pela perda de seu líder
Amado pelas nações.
DOZE MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE GRACEJOS

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O saudoso Poeta Manoel Filó
Manoel Filó
Eu acho que não convém
Falar de quem bebe porre
Porque se quem bebe morre
Sem beber morre também
Apenas quem bebe tem
Suas artérias normais
Trata das fossas nasais
Controla o metabolismo
Cachaça no organismo
É necessário demais.
*
Por muito prazer que a gente
Na vida já tenha tido
Só presta o que está na frente
O que passou, tá perdido.
* * *
Louro Branco
Admiro a Natureza
Mar vomitando salinas
Lajedos de corpos nus
Com as pedras cristalinas
E as serras, túmulos rochosos
Onde Deus sepulta as minas.
* * *
Lenelson Piancó
Eu admiro a formiga
Que tem problema de vista
Andando no ziguezague
Sem carta de motorista
Não se atrasa no trabalho
Nem congestiona a pista.
* * *
Luiz Campos
Eu nasci numa tapera
Que foi herança de pai.
A chuva lá vem  não vem
A casa tá vai não vai,
Todo dia eu boto barro
Toda noite o barro cai.
* * *
Hélio Crisanto
Quando ouço o cantar da seriema
Se coçando na trave da cancela
Juriti voando perto dela
Parecendo uma tela de cinema;
Uma cobra no ninho bebe a gema
A cigarra completa a melodia
Uma cabra deitada dando cria
Um cavalo deitado joga crina
Quando o sol, de manhã, rasga a cortina
O sertão se desmancha em poesia.
* * *
Geraldo Amâncio
O mundo se encontra bastante avançado
A ciência alcança progresso sem soma
Na grande pesquisa que fez do genoma
Todo o corpo humano já foi mapeado
No mapeamento foi tudo contado
Oitenta mil genes se podem contar
A ciência faz chover e molhar
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galope na beira do mar.
* * *
Otacílio Batista
No romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora
mora o coração da gente.
*
O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.
* * *
João Paraibano
Terreno ruim não dá fruto,
Por mais que a gente cultive,
No seu céu eu nunca fui,
Sua estrela eu nunca tive,
Que o espinho não se hospeda,
Na mansão que a rosa vive.
* * *
Rogério Menezes
Quando a mulher é jogada
Na mais detestável lama,
Recebendo humilhações
Da pessoa que mais ama,
A Terra bebe chorando
As lágrimas que ela derrama
GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO BEM ATUAL

O grande Poeta tabirense Dedé Monteiro
Dedé Monteiro glosando o mote:
Sete anos sem aumento
Não é brincadeira não.
(Glosas feitas em 2002, quando da greve dos professores)
Sete fevereiros faz,
Segundo informes tranquilos,
Que um bujão de treze quilos
Custava uns sete reais.
Hoje, é vinte e dois ou mais.
Houve ou não houve inflação?
Faça a pergunta ao fogão
Que ele diz quanto por cento…
Sete anos sem aumento
Não é brincadeira não.
Na bandalheira infernal
Do cenário que eu contemplo,
O gás é só um exemplo,
Pois o desmando é geral.
De barato, além de sal,
Só tem: desculpa, perdão,
Conselho, aperto de mão,
Descaso e constrangimento.
Sete anos sem aumento
Não é brincadeira não.
Aumento sempre acontece.
Sobe tudo todo dia.
O monstro da carestia
Frequentemente aparece.
Só tem algo que não cresce,
Permanece eterno anão:
O salário que nos dão
No dia do pagamento…
Sete anos sem aumento
Não é brincadeira não.
O “chefe” mandou dizer
Em tom de “benevolência”:
“Mestres, tenham paciência
Que, em março, eu vou resolver…”
Ah coisa ruim de fazer,
Essa conta do patrão!…
Se for multiplicação,
Diminui nosso tormento.
Sete anos sem aumento
Não é brincadeira não.
Não adianta ameaça
Como a que fez no domingo…
Isso não resolve um pingo.
Se quer fazer mais que faça.
Galo é quem canta de graça,
Basta ter milho no chão.
Respeite a educação,
Mostre que tem sentimento.
Sete anos sem aumento
Não é brincadeira não.
Não vá dizer que a escola
É prioridade sua,
Se o professor continua
Recebendo a mesma esmola,
Esmola que descontrola
O motor da vocação,
Porque, sem manutenção,
Motor não faz movimento.
Sete anos sem aumento
Não é brincadeira não.
Sete anos de pobreza
Desencanta o professor,
Sete anos de “terror”
Destrói qualquer fortaleza,
Sete anos de incerteza
Enfraquece a profissão,
Sete anos de opressão
Multiplica o sofrimento,
Sete anos sem aumento
É brincadeira do cão!… 
* * *
Severino Ferreira da Silva glosando o mote:
Os meus sonhos de poeta
Já foram realizados.
De porta veneziana
Eu não tenho moradia
Pra passar meu dia-a-dia
Tenho apenas a choupana
Uma garrafa de cana
E uns cadernos borrados
Dois troféus enferrujados
Na coleção incompleta
Os meus sonhos de poeta
Já foram realizados.
A viola companheira
Que me ajuda todo dia
Eu viver de poesia
Adquirir minha feira
Tem quem ache uma besteira
Meus improvisos rimados
Meus versos filosofados
Bem pouca gente interpreta
Os meus sonhos de poeta
Já foram realizados.
* * *
Asa Branca do Ceará glosando o mote:
Com a força das orações
Zé Vicente se levanta.
Precisamos nos unir
Numa corrente de prece
Que Jesus nos favorece
Não vai nos deixar cair
Virá pra nos assistir
Nessa hora pura e santa
Com sua mão sacrossanta
Nos livra das aflições
Com a força das orações
Zé Vicente se levanta.
Bendito é o que confia
Em Deus pai Deus verdadeiro
Nosso divino cordeiro
Jesus filho de Maria
Que na hora da agonia
Quase sem voz na garganta
Com sua bondade santa
Perdoava as multidões
Com a força das orações
Zé Vicente se levanta.
* * *  
 
Asa Branca do Ceará glosando o mote:
No fim da minha existência.
Ó mundo de ilusão
O qual não posso mais ver
Devido a escuridão
Que pairou no meu viver
Minhas noites são eternas
Escuras como cavernas
Da mais terrível aparência
Meus olhos se opacseram
O brilho imenso se perderam
No fim da minha existência.
Quando Deus reto juiz
Chamar-me à eternidade
Atenderei bem feliz
A ordem da divindade
A vida é um episodio
Que deve se dar sem ódio
Sem dúvida e sem mau carência
Quando eu estiver na cova
A cruz servira de prova
Do fim da minha existência.
POETAS DO PASSADO E UM FOLHETO DE DISCUSSÃO SOBRE CIGARRO E BEBIDA

Ivanildo Vila Nova e Valdir Teles recordando os poetas do passado:
* * *
Um folheto de Severino Borges da Silva
DISCUSSÃO DE JOÃO FORMIGA COM FRANCISCO PARAFUSO
Estava João Formiga
Versejando alegremente
Nas terras do Ceará
Quando chegou de repente
Um cantor do Mato Grosso
Quase tonto de aguardente
Chegou na sala e saudou
A todo o povo primeiro
E disse a João Formiga:
— Vá sabendo cavalheiro
Sou Francisco Parafuso
Dou certo em todo tempero
O dono da casa disse:
— Pois então, meu camarada
Você canta com Formiga
Uma discussão pesada
Se ganhar leva o dinheiro
Se perder não leva nada
— Porém eu vou dar um tema
Com estilos naturais
Para Formiga dizer
Com bases fundamentais
Sem errar nem dar um tombo
Nem bebo, nem fumo mais
E parafuso responde
Para se ouvir e ver
Defendendo a aguardente
Durante enquanto viver
E dizer no fim do verso
Bebo e fumo até morrer
Formiga
Meu amigo Parafuso
Agora vou lhe dizer
Deus me livre de beber
Fumar eu também não uso
Do fumo eu tomei abuso
Porque nada bom não traz
Pois quando eu era rapaz
Quase o fumo me liquida
Enquanto Deus der-me vida
Nem bebo, nem fumo mais
Parafuso
Você é um inocente
Fumar é uma beleza
O fumo tira a tristeza
Fica a pessoa contente
O suco da aguardente
Ao homem dá bom prazer
Portanto posso dizer
Com pensamento profundo
Enquanto eu viver no mundo
Bebo e fumo até morrer
COISAS DO TEMPO ANTIGO E O FOLHETO DE UM FUBÂNICO ÀS VÉSPERAS DE FINADOS

DINHEIRO ANTIGO
Alfredo Paz e Zé Louro
É O NOVO!
Eu sou do tempo que a gente
Torrava café no caco
Fazia com rapadura
Que ficasse forte ou fraco
E vesti roupa tingida
Feita de pano de saco
Eu sou do tempo que o homem
Que morava no sertão
Vendia algodão na folha
Pra entregar no verão
E onde morava tinha
Três dias de sujeição
Sou do tempo do tostão
Da pataca e do vintém
Do cruzeiro e do cruzado
Do conto de réis também
Tempo que pobre comia
Feijão branco com xerém
Morei em casa de taipa
Sem assento, sem cortina
Bem distante da cidade
No claro da lamparina
Meu assento era um pilão
Meu prato era uma tirrina
Me criei sem disciplina
Sem lições e sem tarimba
Matuto chupando o dedo
Botando água em marimba
Tomando banho de cuia
Na beirada da cacimba
Sou do tempo que não era
Do jeito que agora é
Quem morava no sertão
Em Deus tinha tanta fé
Que pensava que chovia
Se roubasse um São José
No meu tempo de menino
Eu comprei erva de rato
Xarope pra macacoa
Bebi com “pílula do mato”
No tempo que se bebia
Azeite de carrapato
Atirei de baladeira
Armei fojo, armei quixó
Peguei preá, punaré
Cancão, nambu e mocó
E peguei piaba em litro
Muito mais do que socó
Montado em lombo de jegue
Com a frente para trás
Aprontando peripécias
Que muito menino faz
Que a gente só deixa quando
Vai se tornando rapaz
Puxei roda, imprensei massa
Nas famosas farinhadas
Que começavam cedinho
Ainda na madrugada
Cabra no cabo do rodo
Com a roupa toda suada
Calcei cavalo-de-aço
Sapato do bico chato
Calça da boca de sino
O cabra ficava um gato
Conquistava qualquer moça
Fosse da rua ou do mato
GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE CANGAÇO

O genial cantador repentista paraibano Pinto do Monteiro (1896-1991)
Pinto do Monteiro glosando o mote:
Comi na casa de Pinto
Galinha com rapadura.
Cheguei numa ocasião
Que procurei, mas não tinha
Nem xerém e nem farinha,
Nem arroz nem macarrão,
Fubá, bolacha nem pão,
Nem salada de verdura,
Por não ter outra mistura,
Eu que vinha tão faminto,
Comi na casa de Pinto
Galinha com rapadura.
* * *
Pinto do Monteiro glosando o mote:
Na grandeza do Amazonas
Encontrei meu grande amor.
O pobre do seringueiro
Tem o índio por vigia,
O macaco por espia,
E o tigre por companheiro!
A bem de ganhar dinheiro,
Trabalha seja onde for.
Mas eu fui foi ver a flor
Que habita àquelas zonas!
Na grandeza do Amazonas,
Encontrei meu grande amor.
* * *
Moisés Sesiom glosando o mote:
Dá sapato e dá gibão
Toda obra o couro dá.
Dá manta, bota e silhão,
Dá chapéu, dá bandoleira,
Dá carona e dá perneira,
Dá sapato e dá gibão.
Pra se fazer matulão
O couro é como não há,
Serve até pra caçuá,
Dá peia, da rabichola,
Se prendendo a couro ou sola,
Toda obra o couro dá.
* * *
Ivanildo Vilanova glosando o mote:
Quem maltrata um inocente
Não tem Deus no coração.
Devia ser fuzilado
Quem usa punho ou chibata
Ou qualquer um que maltrata
O menor abandonado
Mesmo sendo batizado
Para mim não é cristão
Quem bate com cinturão
Tem o demônio na mente
Quem maltrata um inocente
Não tem Deus no coração.
* * *
Cícero Moraes e Lima Júnior glosando o mote:
A morada de Deus é tão distante
Que é preciso morrer pra chegar nela.
Cícero Moraes
Todos nós já nascemos com missão
A cumprir quando em vida aqui na terra
No momento em que a vida se encerra
Nós cumprimos a determinação
E o chamado de Deus para a mansão
Vem às vezes de uma forma singela
Quando a alma se solta e o corpo gela
A viagem ao céu é no instante
A morada de Deus é tão distante
Que é preciso morrer pra chegar nela.
Lima Júnior
O relógio da vida marca a hora
Reservada pra última viagem
Sem comprar um bilhete de passagem
Nem saber o momento de ir embora
Perde a vista quem vai, quem fica chora
Quando a terra nos abre uma janela
O espírito se solta o corpo gela
E o caixão é o transporte mais possante
A morada de Deus é tão distante
Que é preciso morrer pra chegar nela
Cícero Moraes
Se perder um amigo faz pesar,
Imagine um filhinho ou um irmão
É capaz de parar o coração,
Não existe quem possa amenizar
Tanta dor e tristeza no olhar
No momento de uma sentinela
E lembrando essa pessoa bela
A saudade se torna agonizante
A morada de Deus é tão distante
Que é preciso morrer pra chegar nela.
Lima Júnior
A matéria cansada não atende
Aos comandos da mente que se cansa
A pressão sobe e desce igual balança
Quando encurta a passada e o corpo pende
Sem a força vital não compreende
Vendo um anjo fazendo sentinela
Vem um sopro da morte apaga a vela
E a Deus manda mais um ser errante
A morada de Deus é tão distante
Que é preciso morrer pra chegar nela.
* * *
Miguel Leonardo glosando o mote:
São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.
Ainda sinto bem forte em meu ouvido
O martelo tinindo do ferreiro,
O cantar do rei galo no poleiro
E o jegue rinchando co’alarido.
Foguetório gerando um estampido
Numa noite animada de São João,
Passarinhos fazendo saudação
No horário do dia amanhecer,
São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.
* * *
Carlos Severiano Cavalcanti glosando o mote:
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.
Fui ao silo e tirei toda a semente
que restava guardada há mais de um ano
e saí a plantar em solo plano
na esperança de inverno consistente.
O trovão ribombou e de repente
envolvi-me no som da trovoada.
O riacho rosnando na enxurrada,
o meu milho pouquinho semeado.
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.
Trinta dias depois da plantação
eu gostava de ver meu milharal
verdejante, brilhando, colossal,
alegrando meu frágil coração.
Fiz a limpa primeira na intenção
de arrancar todo o mato usando a enxada,
começava a limpar de madrugada
sem contudo sentir-me mais cansado.
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.
DOIS POEMAS DE PATIVA DO ASSARÉ E UM FOLHETO SOBRE EDUCAÇÃO

Patativa do Assaré (Mar/1909 – Jul/2002)
* * *
TRÊS MOÇA
(Paródia do poema “Fulô de Puxinanã” do renomado poeta Zé da Luz)
Três moça, três atração,
Três anjo andando na terra,
Eu vi lá no pé da serra
Numa noite de São João.
A premêra era a Benvinda
E eu juro pro Jesus Cristo
Como eu nunca tinha visto
Uma coisinha tão linda.
Benvinda, o premêro anjo
Tinha a voz harmoniosa
Como as corda sonorosa
Do bandulim dos arcanjo.
A segunda, a Felisbela,
Era um mundo de beleza,
Não sei como a Natureza
Acertou pra fazê ela.
Os óio era dois primô
Com tanta quilaridade
Como quem sente sodade
De um bem que nunca vortô
A terceira ,a Conceição,
Era a mais nova das três
Parecia santa Inês
Quando sai na procissão.
Nunca houve sobre a terra
E não pode havê ainda
Quem diga qual a mais linda
Das moça do pé da Serra.
Se arguém mandasse jurgá
E a mais bonita iscuiê
Eu ficava sem sabê,
Pois todas três era iguá.
Quando oiei pras três menina
Oiei tornei a oiá,
Eu fiquei a maginá
Nas coisa santa e divina.
E o que ninguém desejô
Desejei naquela hora
Sê o grande Rei da Gulora
O Divino Criadô.
Mode agarrá as três donzelas,
Invorvê num santo véu
E levá viva pro céu
Pra ninguém mexê com elas.
* * *
AS PROEZAS DE SABINA
Derne o Sú até o Norte
O mundo cria de tudo,
Cabra fraco e cabra forte,
Um alegre, outro sizudo.
Diz o professo Raimundo
Que este nosso veio mundo
De tudo pissui com sobra,
Coisa bela e coisa feia,
Home do geno de uvêia,
Muié do geno de cobra.
A vida não vale nada,
Tudo veve a peleja
E o mundo é uma charada
Custosa de decifra.
Mas, como quarqué sujeito
Qué tê razão e dereito,
Dá notiça e discrimina
As coisa deste universo,
Eu vou conta nestes verso
As proeza de Sabina.
Sabina é muié dereita,
Munta honestidade tem,
Não apoia nem aceita
Brincadêra com ninguém.
E dessas muié valente,
Atrevida e renitente,
Que, quando pega a falá,
Nem o Satanás resiste.
E ainda hoje ela insiste
Neste Brasi de Cabrá.
Ela nasceu num pranêta
Afobado e revortado,
Não se assombra com careta
Nem tem medo de barbado.
Pensando nesta senhora,
Vem logo em minha mimora
O que diz certo canto
Nos seus verso nordestino:
“Paraíba masculino,
Muié macho, sim sinhô!
MEIA DÚZIA DE SONETOS

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Poeta popular Diniz Vitorino (1940-2010) – Foto do colunista fubânico Cardeal Paulo Carvalho
* * *
A PRÓXIMA VIAGEM – Diniz Vitorino
Aonde irei? Qual será o novo porto
Que terei para minhas aventuras?
Os abismos profundos do mar morto
Ou as rubras galáxias das alturas?
O meu destino eu não sei, sei que, absorto
Rogo a Deus que perdoe minhas loucuras
E, com os dedos em riste, indique o horto
Para minhas passadas inseguras
Seja ele como for subi-lo-ei
Se garranchos houver, os pisarei
Mesmo abrindo nos pés profundas chagas
Vendo o sangue cair das faces lívidas
Me proponho a quitar todas as dívidas
Que na terra por mim não foram pagas.
* * *
O PEIXE – Patativa do Assaré
Tendo por berço o lago cristalino,
Folga o peixe, a nadar todo inocente,
Medo ou receio do porvir não sente,
Pois vive incauto do fatal destino.
Se na ponta de um fio longo e fino
A isca avista, ferra-a inconsciente,
Ficando o pobre peixe de repente,
Preso ao anzol do pescador ladino.
O camponês, também, do nosso Estado,
Ante a campanha eleitoral, coitado!
Daquele peixe tem a mesma sorte.
Antes do pleito, festa, riso e gosto,
Depois do pleito, imposto e mais imposto.
Pobre matuto do sertão do Norte!
* * *
MORRIA O SOL NO OCASO – Otacílio de Azevedo
Morria o sol no ocaso e o olhar de minha amada
qual rubro sol distante, a rutilar, morria…
Gemia o seu soluço errando pela estrada
e errando pela estrada eu, mísero, gemia!
Perdia o sol tombando, a clara luz doirada
e o vulto dela, ao longe, aos poucos, se perdia.
Fugia o meu olhar no curso da jornada
e o seu magoado olhar tristíssimo fugia…
O sol tombou no poente em nuvens de oiro e arminho,
e Cleonice, chorando, à curva do meu caminho,
entre as sombras da noite, exânime tombou…
Entanto, o mesmo sol que desmaiara outrora,
vem todas as manhãs ao despontar da aurora,
só ela, nunca mais, oh! nunca mais voltou!
* * *
MEU AMIGO POETA – Noé de Job Patriota
Meu amigo poeta meu irmão
Companheiro de farra em toda mesa
Nossa alma poética vive acessa
Com a luz da divina inspiração
Faça um verso repleto de ilusão
Que a ilusão do poema é mensageira
Que um poeta que canta a vida inteira
Guarda dádivas de amor no coração
Numa mesa de bar fica bebendo
E assim sempre o passado revivendo
Se embriaga com goles de emoção
Peregrino das noites inquietas
Andarilho das sendas incompletas
Navegante dos mares da paixão.
* * *
DIVERGÊNCIA – Manoel Filó
Seja grosseira, me responda aos gritos
Encha de mágoa o meu interior
Seus seios virgens, quentes e bonitos
Também tiveram culpa em minha dor.
Sem machucar os corações aflitos
Deve ser muito bom morrer de amor
Seus olhos mostram dois aerólitos
Enfeitando o espaço ao sol se pôr.
Já que não posso merecer seu porte
Fico parado condenado a sorte
Que não nos trouxe condições iguais.
Eu não sou cofre de guardar segredo
Ou tive culpa de nascer mais cedo
Ou foi você que demorou demais.
* * *
DESARMAI VOSSOS FILHOS – Pompílio Diniz
Desarmai vossos filhos pequeninos
Para depois não vê-los transformados
Em párias marginais e celerados
Cruéis e perigosos assassinos!
Lembrai-vos de que foram tais meninos
Tão cedo, seus instintos despertados
Por armas e brinquedos simulados
De “mocinhos”, “bandidos” e traquinos!
Desarmai vossos filhos, desarmai-os
Para depois não tê-los nos ensaios
Da delinquência e do ódio prematuro!
Não dei aos vossos filhos tais presentes
Esses brinquedos de armas são sementes
De crimes que plantais para o futuro!
UM TEMA ATUAL NA POESIA POPULAR

A VERDADEIRA HISTÓRIA DA VIDA AVENTUROSA DO EMBARGO INFRINGENTE – Rochinha das Queimadas (o Gavião Cantador)
O menino Infringentinho
Era um menino indecente,
Roubava prata de cego
E remédio de doente,
Mentia com segurança
E ria trincando os dentes,
Nunca sabia de nada,
Se fazia de inocente.
Depois que ficou rapaz,
Infringente se perdeu,
Tomava muita cachaça
E até adoeceu,
Queria uma profissão
E ao diabo se vendeu,
Fez acordo com o capeta,
Deputado se elegeu.
Se deu muito bem na vida
E logo enriqueceu,
Das aventuras passadas,
Ele nunca se esqueceu,
Mas roubava com cuidado,
Nunca ninguém percebeu,
E o seu maior amigo
Se chamava Zé Bedeu.
Não era muito estudado,
Mas era inteligente,
Toda vez que apertado,
Saía pela tangente,
Por artimanhas ganhou
Um nome proeminente,
Um nome largo e pomposo:
É o Embargo Infringente.
Com Embargo ninguém pode,
De tudo ele é capaz,
Tudo que o diabo manda,
Muito ligeiro ele faz,
Nunca perde uma peleja
E não vai perder jamais,
Ele é invencível mesmo
Falando nos tribunais.
Doutor, Embargo Infringente
É um pau pra toda obra,
Ele faz qualquer serviço,
Mas por tudo ele cobra,
O cara fica com tanto,
Ele fica com a sobra,
Tudo vai acumulando,
Sua fortuna redobra.
O Brasil tá dominado,
Mas não tem tristeza, não;
A vida melhor do mundo
É a vida de ladrão,
Pode roubar sossegado,
Passear de avião,
Pois o Embargo Infringente
Lhe segura com a mão.
* * *
Rochinha das Queimadas (o Gavião Cantador) glosando o mote:
Eu sou o embargo infringente
Que ajudou Zé Dirceu.
Sou veneno estricnina,
Vidro moído com breu,
Sou Zé Pilintra de fogo,
Sou um sacerdote ateu,
Sou catapora e sarampo,
Sou o próprio Zebedeu:
Eu sou o embargo infringente
Que ajudou Zé Dirceu.
Sou o safado famoso
Que no lodaçal cresceu,
O bandido façanhudo
Que à justiça venceu,
Sou o pai dos salafrários,
Coice que o jumento deu:
Eu sou o embargo infringente
Que ajudou Zé Dirceu.
Sou urso pé de veludo
Que escondido comeu,
Engabelando os otários,
A grande pança encheu,
E foi muito engraçado,
Quase ninguém entendeu:
Eu sou o embargo infringente
Que ajudou Zé Dirceu.
Sou bicho de sete capas,
Nunca ninguém me venceu,
Quando atiro é morte certa,
Quem duvidou se fodeu,
Eu dou as cartas de cima,
Quem apostar já perdeu:
Eu sou o embargo infringente
Que ajudou Zé Dirceu.
QUATRO POEMAS DE POMPÍLIO DINIZ

Rolando Boldrin declamando o poema “A Revolta dos Macacos“, de Pompílio Diniz:
* * *
Rolando Boldrin declamando o poema “Pru Quê“, de Pompílio Diniz:
* * *
 O JÚRI – Pompílio Diniz
Num há, no mundo, home mole
Dêsse ditado num isqueça:
“Quem cum muntas peda bole
Uma lhe quebra a cabeça!”
“Boa rumaria faz
Quem em casa fica im paz”
Pra qui nada lhe aconteça…
Veja bem: im Conceição,
Havia um cabra valente
Qui tinha pur profissão
Bate im cara de gente
Brigava cum cinco ou seis
Cum ele num tinha vez
Nem respeitava ambiente!
Zé de Soiza, onde chegava,
O povo todo curria
Delegado se trancava
E a puliça se iscondia
Inté os Santo do artá
Quando via ele passa
Fechando o zói se binzia
Ao contráro desse home,
Tombem tinha em Cunceição
O cabôco Zé Girome
Vagaroso e moleirão…
Pois arrepare Dotô:
Foi Girome quem matô
Zé de Soiza, o valentão
TRÊS POETAS NORDESTINOS

louro branco
Francisco Maia de Queiroz, o popular Louro Branco, poeta repentista cearense
* * *
Francisco Maia de Queiroz (Louro Branco)
O CASAMENTO DOS VELHOS
Tem certas coisas no mundo
Que eu morro e num acredito
Mas essa eu conto de certo
Dum casamento bonito
De um viúvo e uma viúva
Bodoquinha Papaúva
E Tributino Sibito
O véio de oitenta ano
Virado num estopô
A véia setenta e nove
Maluca por um amor
Os dois atrás de esquentar
Começaram a namorar
Porque um doido ajeitou
Um dia o véio comprou
Um corpete pra bodoquinha
Quando a véia foi vestir
Nem deu certo, coitadinha
De raiva quase se lasca
Que o corpete tinha as casca
Mas os miolo num tinha
No dia três de abril
Vêi o tocador Zé Bento
Mataram trinta preá
Selaram oitenta jumento
Tributino e Bodoquinha
Sairam de manhazinha
Pra cuidar do casamento
O veião saiu vexado
Foi se arranchar na cidade
Mandaram chamar depressa
Naquela oportunidade
O veião chegou de choto
Inda deu catorze arroto
Que quase embebeda o padre
O padre ai perguntô:
Seu Tributino, o que pensa,
Quer receber Bodoquinha
Sua esposa, pela crença?
O veião dixe: eu aceito
Tô tão vexado dum jeito
Chega tô sem paciência
E preguntô a Bodoquinha:
Se aceitar esclareça
A véia lhe arrespondeu
Dando um jeitim na cabeça
Aceito de coração
Tô cum tanta precisão
Tô doida que já anoiteça
Casaram, foram pra casa
Comeram de fazer medo
Conversaram duas horas
Uns assuntos duns segredo
E Bodoquinha dixe: agora,
Meu pessoá, vão embora
Que eu quero drumi mais cedo
O véi vestiu um pijama
Ficou vê uma raposa
A véia de camisola
Dixe: óia aqui sua esposa
Cuma é, vai ou num vai?
O veião dixe: ai, ai, ai
Já tá me dando umas coisa
A véia dixe me arroche
Cuma se novo nóis fosse
O véio dixe: ê minha véia
Acabou-se o que era doce
A véia dixe: é assim?
Então se vai dar certim
Que aqui também apagou-se
Inda tomaram uns remédio
Mas num deu jeito ao enguiço
De noite a véia dizia:
Mas meu véi, que diabo é isso?
Vamo vendê essa cama
Nóis sempre demo na lama
Ninguém precisa mais disso
A véia dixe: isso é triste
Mas esse assunto eu esbarro
Eu já bati o motor
Meu véi estrompou o carro
Ê, meu veião Tributino
Nóis dois só tem um menino
Se a gente fizer de barro.
* * *
Patativa do Assaré
AS PROEZAS DE SABINA
Derne o Sú até o Norte
O mundo cria de tudo,
Cabra fraco e cabra forte,
Um alegre, outro sizudo.
Diz o professo Raimundo
Que este nosso veio mundo
De tudo pissui com sobra,
Coisa bela e coisa feia,
Home do geno de uvêia,
Muié do geno de cobra.
A vida não vale nada,
Tudo veve a peleja
E o mundo é uma charada
Custosa de decifra.
Mas, como quarqué sujeito
Qué tê razão e dereito,
Dá notiça e discrimina
As coisa deste universo,
Eu vou conta nestes verso
As proeza de Sabina.
Sabina é muié dereita,
Munta honestidade tem,
Não apoia nem aceita
Brincadêra com ninguém.
E dessas muié valente,
Atrevida e renitente,
Que, quando pega a falá,
Nem o Satanás resiste.
E ainda hoje ela insiste
Neste Brasi de Cabrá.
UMA DUPLA EM CANTORIA, DOIS POEMAS E UM FOLHETO ATUALÍSSIMO

Valdir Teles e Zé Viola improvisando com o tema “O boi amarrado no pé da cajarana“:
  
* * *
SECA PARA QUEM? – Simone Passos
Um país onde cada Comissão
(De Direitos Humanos, de Justiça…)
É corrupta, inerte e omissa,
Quem preside é racista ou é ladrão;
Um país que não olha pra o sertão,
A não ser que precise dele um dia;
Que é covarde e só faz demagogia,
Como pode mudar o seu destino
Se só mente a esse povo nordestino
E ignora o que é cidadania?
A indústria da seca é lucrativa
Gera renda aos que investem nela,
Reduzindo o sertão à bagatela
De uma terra sem vida, improdutiva,
Onde só o governo é quem cultiva
As sementes da alienação
Pra colher os seus frutos na eleição,
Iludindo e enganando o inocente
E depois humilhar toda essa gente
Esquecendo essa gente e o sertão!
Sertanejo também tem sede e fome
Não somente de água, leite ou pão
Tem a fome de ser um cidadão
De não ser indigente, ter um nome
É sedento da força que não some
Numa luta de um povo que não cansa,
Sertanejo tem fé, perseverança
Pra enfrentar um governo surdo e mudo
Ante um povo que tem fome de tudo,
Mas que só se alimenta de esperança!
* * *
NA TRISTE NOITE DA CORRUPÇÃO – Merlânio Maia
Eis a nação que sonha embevecida
Ser um exemplo aos povos do futuro
E agora acorda em seu triste monturo
Que foi forjado ao longo de sua vida
Desde o império se inclina em descida
Com sanguessugas que sugando vão
Multiplicando sujeira em seu chão
Frente ao pomposo poder do império
Incomodando heróis no cemitério
Na triste noite da corrupção!
Seus mortos, hoje, tão desesperados
Saem às ruas, levantam bandeiras,
Dançam nas praças, alamedas, feiras…
Profundamente decepcionados
De Tiradentes escuta-se os brados
De Castro Alves a indignação
Voltam os poetas da libertação
Junto aos heróis, do além, republicanos,
Dançam nas noites contra os tais tiranos
Na triste noite da corrupção!
Se o tempo urge, a tal nação se arrasta…
Só vendo seu pobre povo humilhado,
Presenciando o roubo deste estado
Que, a cada dia, da riqueza afasta.
– Aos miseráveis, pão com circo basta!
E a liberdade escorre pela mão
E num crescendo se esparrama ao chão
No gesto tosco desse vai e vem
Só sonhadores gritam do além
Na triste noite da corrupção!
Os pigmeus da moral querem trono
Mesmo levando o país ao abismo
Ninguém vê honra, lisura, altruísmo!…
Brasil delira feito um cão sem dono
Em berço esplêndido o gigante é sono,
Enferrujado na acomodação
A idiotice contamina o chão
O povo dorme e o vazio é extenso,
Os mortos gritam vendo o mal imenso
Na triste noite da corrupção!
A hipocrisia é corrente moeda
E a mentira agora é um ideal
A mídia cria a tal versão final
E o fato perde a força e leva queda
Quem mente mais do poder não se arreda
A lama envolve e a TV faz serão,
Faz a cabeça – dona da razão!
E o povo teme e tremendo obedece.
Há uma teia que a aranha tece
Na triste noite da corrupção!
Brasil desperta, apresenta a imponência!
Acorda e grita: Independência ou morte!
Colosso impávido, de infinito porte,
Mostra a lisura da tua inocência
Chama os teus filhos plenos de decência
Expulsa o mentiroso e o ladrão
Levanta o braço de enorme nação
Que vibra dentro do teu forte povo
Faz teus heróis renascerem de novo
Na triste noite da corrupção!
* * *
Um folheto de Jotacê Freitas
CORDEL PARA A PRESIDENTA DE UM PROFESSOR AFLITO
Excelentíssima Dilma
Presidenta do Brasil
Leia este desabafo
De um cidadão servil
Que elegeu a senhora
Por ter crido no que viu.
Vi que sua bela história
Não ocorreu por acaso
Sua missão era esta
Acabar com o atraso
Pois com a mulher por cima
Crescimento não tem prazo.
Não sei se a mosca azul
Que picou o nosso Lula
Ou os tais acordos tácitos
Que a muita gente embrulha
Mudou nossa governanta
Que aos políticos adula.
É um toma lá dá cá
Envolvendo altos valores
Empreitadas ministérios
Secretários assessores
E pra piorar o caso
Corrompem corruptores.
SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO ATUALÍSSIMO

Aderaldo Ferreira de Araújo (Jun/1878 – Jun/1967), o Cego Aderaldo, um dos maiores nomes da cantoria e do improviso nordestino de todos os tempos (Ilustração de Walter Caldeira)
Cego Aderaldo
Ah! Se o passado voltasse,
Todo cheio de ternura.
Eu ainda tinha vista,
Saía da vida escura…
Como o passado não volta
Aumenta minha tristeza:
Só conheço o abandono
Necessidade e pobreza.
Pelejo e não me acostumo
Na capital da Nação
Tudo aqui é diferente
Das coisas do meu Sertão
Lá tiram leite da vaca
Aqui é no caminhão.
* * *
Ivanildo Vilanova
É o céu uma abóboda aureolada
Rodeada de gases venenosos
Radiantes planetas luminosos
Gravidade na cósmica camada
Galáxia também hidrogenada
Como é lindo o espaço azul-turquesa
E o Sol fulgurante tocha acesa
Flamejando sem pausa e sem escala
Quem de nós poderia apagá-la
Só o santo doutor da natureza…
* * *
Zé de Almeida
O meu verso já tem se comparado
Com o mel da abelha jandaira
Com o perfume da flor da macambira
Com o campo florido perfumado
Com as flores que cobrem todo o prado
Com o sol amarelo cor de gema
Com o canto feliz da seriema
Com o grito saudoso da graúna
Com a casca de pau da baraúna
E o verdume da folha da jurema.
* * *
Cícero Pedro
Peguei a minha caneta
pra fazer mais um poema;
poeta tem que versar
disponha ou não de um bom tema,
dar expressão ao seu estro,
deve ser sempre o seu lema.
* * *
Dimas Batista
Os carinhos de mãe estremecida
Os brinquedos do tempo de criança
O sorriso fugaz de uma esperança
A primeira ilusão de nossa vida
Um adeus que se dá por despedida
O desprezo que a gente não merece
O delírios da lágrima que desce
Nos momentos de angústia e de desgraça
Passa tudo na vida tudo passa
Mas nem tudo que a gente passa esquece
* * *
Sebastião Dias
Pra você segunda-feira
Eu servirei de correio
Quem tiver cartas escreva
Que levo um malote cheio
Com lágrimas de quem não foi
E lembranças de quem não veio
* *
Um folheto de Antonio Barreto
ESSE CARA SOU EU: RENAN CALHEIROS!
rrnc
Nas praias de Salvador
Num domingo azul-anil
Eu disse para mim mesmo:
“O negócio está barril!
Será que Renan Calheiros
É o cara do Brasil?”
De MP3 na mão
Resolvi entrevistar
As pessoas que chegavam
Pra tomar banho de mar…
Não faltou foi bom humor
Conforme vou relatar!
Antes da noite chegar
Encerrei a entrevista
Gente de todas as classes
Presente na minha lista…
Então veja o que disse
Nosso povo ao cordelista:
- Roberto Carlos falhou,
Eu deixei de ser seu fã!
Esse cara tão rretado
Não sou eu, nem D. Juan,
Esse cara na verdade
É o Senador Renan!
DEZ MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE PELEJA

GONÇALO
Poeta cearense Gonçalo Ferreira da Silva, inspirado folhetista
* * *
Zezo Correia
Canta a cauã com agouro
Em cima de uma aroeira
No ninho da quixabeira
Canta a casaca-de-couro
Eu admiro é um louro
Lá no oco apertadinho
Dentro criar um filhinho
Com tanta satisfação
Causando admiração
A vida de um passarinho.
Vê-se um maracanã
Rasgando espiga de milho
Pra dar comer a seu filho
Todo dia de manhã
Também vejo a ribaçã
Pôr pelo chão sem ter ninho
Deixar o ovo sozinho
Depois tirar sem gorar
Isso faz admirar
A vida de um passarinho.
* * *
Zezé Lulu
Esta palavra ciência,
Deus a mim não concedeu
A minha mão não escreve
Minha boca nunca leu
Mas vivo estudando os livros
Que a natureza me deu.
Eu admiro a aranha,
Pela casa que constrói
Cavar no chão um buraco,
Para aquele que lhe apoi
E botar-lhe uma tampa,
Que nem a chuva destroi.
* * *
Moacir Laurentino
Acho bonito o inverno
Quando o rio está de nado
Que o sapo faz oi aqui
Outro oi do outro lado
Parece dois cantadores
Cantando mourão voltado.
* * *
João Martins de Ataíde
 
Valente não teme luta,
Enchente não teme rio,
Machado não teme pau,
Touro não teme novio,
Violão não teme prima,
Poeta não teme rima,
Eu não temo desafio.
* * *
Antônio Batista Guedes
Longe do mar de Netuno,
O cocheiro Faetonte
Percorria o horizonte
No seu coche de tribuno,
De Anfitrite e de Juno,
Tinha ele a proteção!
Apoio, tendo na mão
Um livro de poesia,
Me ensinou com galhardia
Cantar Dez Pés em Quadrão!
* * *
Geraldo Amâncio
Itapetim és a pista
De Louro, Otacílio e Dimas
Aonde o carro das rimas
Obedece ao motorista
Que cada página é revista
Escrita em diversas cores
És do Pajeú das Flores
A mais poética cidade
Itapetim, faculdade
Que diploma cantadores.
* * *
Zé Adalberto
Improvisar não é ruim,
mas é bom que a gente diga
que dá frio na barriga,
pois sempre começa assim.
Eu vim lá de Itapetim
pedindo força a Jesus
pra que ele me dê luz
e assim minha mente cria.
Vim derramar poesia
no chão dos maracatus.
* * *
José da Rocha Freire
(Zé Melancia)
Já fui cantador destemido
Cantador de alta classe…
Já cantei face a face
Com poeta garantido…
Com rima e verso medido,
Na matéria e em repente,
Quem fui eu antigamente,
Quem estou sendo hoje em dia,
Só resta da melancia
A casca e uma semente.
* * *
José Francisco de Souza
O cantador repentista
Canta por convicção
Tem presença de espírito
Para qualquer narração
Representa muito bem
As belezas do sertão
* * *
Hélio Crisanto
Eu só sei cortar mato de enxada
Amansar burro brabo e fazer broca
Dar solfejos com flauta de taboca
Tirar leite rompendo a madrugada
Meu cardápio é queijo com coalhada,
Rapadura batida com feijão
Já botei muita água de galão
Enchi pote com água de barreiro
Sou poeta, matuto e violeiro
E as histórias que conto é do sertão.
* * *
Um folheto de Gonçalo Ferreira da Silva
PELEJA DE OSCAR ALHO E FRANCISCO MALAGUETA
Quem não leu ainda, leia
a mais acirrada e preta
peleja que já se viu
em cima deste planeta
a luta de Oscar Alho
e Francisco Malagueta.
Malagueta era filho
de João Antônio Barbalho
nunca violeiro algum
lhe deu o menor trabalho
assim queria encontrar-se
com o famoso Oscar Alho.
HOMENAGEM AO SAUDOSO DOMINGUINHOS

Um DVD  do  inesquecível Dominguinhos, gravado em  Nova Jerusalém-PE , com a duração de 2 hs e  6 min.
É  espetáculo para ser visto milhares de vezes e nunca se cansar de admirar  essa figura maravilhosa que recentemente   partiu para o Oriente  Eterno.
 Dominguinhos Ao Vivo em Nova Jerusalém
* * *
CHEGADA DE DOMINGUINHOS – Merlânio Maia
- Missão cumprida meu mestre!
Domingos diz a Gonzaga,
– Ainda estou mêi cansado
Mas a alegria me afaga
Mas o que estou escutando?
– São as sanfonas tocando
Hoje é festa o tempo inteiro
Chegaste ao Forró de Deus,
Vê quantos amigos teus
Vê o mundo de forrozeiro?!
É isto o que sempre espera
Quem na Terra fez o Bem
Quanta gente ajudaste
Quanto alegraste também
Teu forró fez alegria
No lugar onde se ouvia
Alentava o coração
E Deus viu o quanto é bom
Esse luminoso som
Xote, Forró e Baião!
Vai ter festa a mais de mês
Pois Seu Domingos chegou
Na festa da vida eterna
Tudo que é bamba tocou
E aos braços de Seu Luiz
Se sentia tão feliz
Desfrutando tais carinhos
Naquela festa sem par
Sempre ouvia alguém gritar:
Bem vindo ao Céu, Dominguinhos!!!
* * *
HOMENAGEM A DOMINGUINHOS – Rafael Neto
O nosso Brasil em peso
Triste de luto se veste
Dominguinhos já partiu
Foi para mansão celeste
Deixando eternas saudades
No coração do nordeste.
Grande gênio do nordeste
Que escreveu sua saga
Aos oito anos de idade
Conheceu Luiz Gonzaga
E quando o rei faleceu
Ele assumiu sua vaga.
Sua história não se apaga
Que este gênio do sertão
Foi um discípulo atuante
Do nosso rei do baião
Divulgando no Brasil
Xote, xaxado e baião.
Com a sanfona na mão
Ganhou mais de um troféu
A nossa constelação
Agora ficou ao léu,
Uma estrela da terra
Partiu pra brilhar no céu.
Da sanfona e do chapéu
Ele nunca se apartou
Mas a morte traiçoeira
Veio agora e separou
A sanfona do artista
Que muito nela tocou.
A TV noticiou
Pro desespero de Exu
Que o seguidor de Luiz
Foi também pro barro cru
E fica somente a lembrança
Da voz deste Uirapuru.
O grande astro de Exu
Foi mais deixou um museu
Primeiro morreu Luiz
E agora um discípulo seu
E quem tocará na sanfona
Que Luiz Gonzaga deu.
Um câncer lhe ofendeu
Ai chegou sua vez,
Ele morreu em São Paulo
Lá no Sírio-Libanês,
Julho de dois mil e treze
Terça feira, vinte e três.
Vou lembrar o que ele fez
Com a sanfona estimada
Agora ele esta no céu
Visitando um camarada
Deus tá levando os artistas
Deixando a terra sem nada.
UM MOTE NO MÊS DE JULGAMENTO DO MENSALÃO E 12 MESTRES DO IMPROVISO

Dois dos maiores nomes contemporâneos da cantoria improvisada de viola nordestina, Geraldo Amâncio e Moacir Laurentino, glosando o mote:
“Os políticos ladrões deste país
São iguais aos bandidos traficantes”
Estes improvisos foram feitos na noite de 27 de outubro de 2007 na Concha Acústica ao lado da Catedral Gótica de Petrolina.
Os cantadores só tomam conhecimento do mote no instante em que é lido pelo apresentador, como é de praxe em todo festival de violeiros.
* * *
Biu de Crisanto
Da visão desta janela
Eu vi os sonhos perdidos
A vida passou por mim
Causando dor e gemidos
E a esperança morreu
No vale dos esquecidos.
O mundo esqueceu de mim
Neste cubículo imundo
Onde mergulhei nos livros
Hora minuto e segundo
E fiz diversas viagens
Pela vastidão do mundo.
Não esqueço um só segundo
Dos dias da mocidade
Mas o tempo me roubou
Da vida mais da metade
Restando só amargura
Tristeza, dor e saudade.
* * *
Severino Ferreira da Silva
Visitei lá na Grécia certa hora
Li os lindos trabalhos de Pitágoras
Bati papo também com Anaxágoras
E trouxe a chave da caixa de Pandora
Passei perto da Deusa que é Aurora
Dei a ela seis raios boreais
Assisti no palácio as vestais
E de um sopro que eu dei um certo dia
Apaguei o farol de Alexandria
E o que é que me falta fazer mais?
Escrevi com Camões em Portugal
Inspirei a Cervantes na Espanha
Junto a Goethe fiquei na Alemanha
E nos Açores dei nome a principal
Aos poemas de Antero de Quental
Eu andei com aedos e andrais
Já passei nos castelos dos feudais
E coloquei uma vez um trem no trilho
Fiz Olívia Palito ter um filho
E o que é que me falta fazer mais?
* * *
Pinto do Monteiro
Eu não tenho confiança
Em cabra que tem verruga;
Cachorro da boca preta,
Terreno que pouco enxuga,
Comida que doido enjeita
E casa que cigano aluga.
* * *
Francisco Maribondo
Fui nascido no sertão
gosto de  tudo  que vejo,
alimentado com fava
batata, feijão e queijo;
não nego meu estatuto
tenho orgulho em ser matuto
cem por cento sertanejo.
* * *
Job Patriota
Aonde chega a verdade
pede à mentira que fuja.
A virtude esta é tão limpa
que o pecado não suja,
e a consciência é moeda
que o tempo não enferruja.
* * *
Zé Limeira
A Virgem de Nazaré
gostava do Evangelho
mas casou com um cabra velho
por nome de São José.
O velho tomava rapé,
bebia cana e cuspia.
Um dia a Virgem Maria
com ele se engrenguenou
e quase não nasce o Messias.
 * * *
Dimas Mateus
Poeta nasce aprendido
Deus do céu tudo traduz
são nove meses de aula
na mulher que nos conduz
a faculdade é no ventre
da mãe que nos deu a luz’.
* * *
José Alves Sobrinho
Jorram as águas do rio,
e elas  como uma cobra,
num andar lento e macio,
descendo e fazendo dobra,
derramam sobre o baixio
a quantidade que sobra.
* * *
Dimas Bibiu
Eu não creio em quem faz economia
Passa fome com pena de gastar
Vê um pobre faminto não lhe dar
Um pedaço do pão de cada dia
Tem dinheiro, tem terra, vacaria
Nega um copo de leite a uma criança
Junta tudo que tem, ainda avança
Pra tomar um pedaço do alheio
Pode até se salvar, mas eu não creio
Só se Deus der um toque na balança!
* * *
Mestre Azulão
A mulher guanabarina
em tudo tem perfeição
a boca é um cravo abrindo
cintura é um violão
São Paulo é um deus-nos-acuda
só dá mulher barriguda
danada por macarrão.
* * *
Josessandro Andrade
Como o teju bebe o leite do aveloz
Valdir Teles nos anos de cantoria
Come as cobras todas da poesia
No raciocínio do verso tão veloz
Sua alma veste de veludo a voz
Que abala palácios e congressos
Penetra corações e ventres com sucesso
Se eterniza no íntimo da gente
Valdir Teles trinta anos de repente
E o tempo não mede o seu universo.
* * *
Geraldo Amâncio
Patativa tinha o brilho
da luz de um meteorito;
um homem que virou gênio,
um gênio que virou mito;
um cantador de roçado
que foi por Deus convocado
pra cantar no Infinito.
DEZ MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS

Mocinha e Santinha
Mocinha de Passira e Santinha, duas mulheres no mundo masculino da cantoria improvisada de viola
Mocinha de Passira
Quem vem de raça de puta
não fala de rapariga
sua mãe é leviana
sua avó é quenga antiga
a sua filha ganha a feira
vendendo o pé da barriga
*
Amor é vinho servido
Em alva taça pequena
Quem bebe pouco quer mais
Quem bebe mais se envenena
Quem se envenena de amor
Morrendo Deus não condena.
*
A vida se inicia
Sob o ventre maternal
O filho se liga à mãe
No cordão umbilical
Nasce, cresce, vive e ama
Depois a morte lhe chama
Para a cama sepulcral.
André Serafim
Diz a antiga escritura
Que Adão foi feito de barro,
Mas essa história eu não narro
Porque é mentira pura.
Tem camarada que jura
Por São Pedro e São Conrado,
Mas acho que teja errado,
Que Deus nunca foi “loiceiro”
Pra tá dentro dum barreiro
Fazendo cabra safado.
Canhotinho
Acho tarde demais para voltar
estou cansado demais para seguir,
os meus lábios se ocultam de sorrir,
sinto lágrimas, não posso mais chorar;
eu não posso partir e nem ficar
e assim nem pra frente nem pra trás,
pra ficar sacrifico a própria paz,
pra seguir a viagem é perigosa,
a vereda da vida é tão penosa
que me assombro com as curvas que ela faz.
Manoel Filó
Cantador pra enfrentar Manoel Filó
É preciso comer besouro assado
Dar pancadas com o gume do machado
Num angico que tem um sanharó
Se enrolar com uma cobra de cipó
Dar um chute num cão com hidrofobia
Mastigar na cabeça de uma jia
Se subir num coqueiro catolé
Se montar em Inácio Jacaré
E viajar três semanas pra Bahia.
Lycurgo Paiva
Um dia tive saudades
Daquelas matas viçosas
Das brisas tão soluçosas,
Dos ares de meu sertão.
Era de tarde – no sitio -
Tudo era grave e sentido,
Como da rola o gemido
Perdido na solidão.
Louro Branco
O trovão estronda andando
Pelo firmamento infindo,
Céu de nuvens se cobrindo
Cascatas cantarolando,
O pirilampo voando
Em noites de escuridão,
Só parece um avião
Com a sinaleira acesa;
Tudo que há de beleza
Deus colocou no sertão.
Diniz Vitorino
E as abelhas pequenas, sempre mansas
Com as asas peludas e ronceiras
Vão em busca das pétalas das roseiras
Que se deitam no colo das ervanças
Com ferrões aguçados como lanças
Pelo cálix das flores bebem essência
E fazem mel que os mestres da Ciência
Com os séculos de estudo não fabricam
Porque livros da Terra não publicam
Os segredos reais da Providência.
José Lucas de Barros
A lua, barco risonho,
No seu posto ingênuo e belo,
Era o mimoso castelo
Da poesia e do sonho,
Mas o astronauta medonho
Lá chegou bastante cedo,
E, como no seu degredo
Esperava um trovador,
Ao ver um explorador
A lua tremeu de medo.
José Alves Sobrinho
Eu canto sextilha, oitava e martelo
Mourão de seis pés, de cinco e de sete
Canto carretilha, tudo que compete
Ao homem que canta repente em duelo
Faço fortaleza , construo castelo
Sou mestre de ritmo , aprendi rimar
Conheço o segredo de metrificar
E meço o compasso das minha expressão
Ouvindo as pancadas do meu coração
Cantando galope na beira do mar.
Otacílio Batista
Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora
mora o coração da gente.
O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.
* * *
A PELEJA DE LEANDRO GOMES COM UMA VELHA DE SERGIPE – Leandro Gomes de Barros
PELEJA
Eu ainda estava orelhudo
Com estes versos que faço
Porque nunca achei poeta
Que me fizesse embaraço
Porém uma velha agora
Quase me quebra a cachaça
A velha fez-me subir
Onde nem urubu vai
Andei numa dependura
Já está cai ou não cai
Ainda chamei tio o gato
Tratei cachorro por pai
Quando partiu foi babando
O corpo vinha tremendo
Antes de dar boa noite
De longe me foi dizendo:
“Meu amigo eu venho metê-lo
Entre um quente e dois fervendo”
UM MOTE BEM GLOSADO E UM FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS

Enoc Ferreira glosando o mote:
Se passar mais um ano sem chover
Vai ficar pouca gente no Sertão.
O Sertão está sendo castigado
Pela seca cruel que nos comove
Faz dois anos completos que não chove
Acabou-se a fartura do roçado
Não tem pasto pra o gado no cercado
Desse jeito se acaba a criação
Morre um bicho por falta de ração
Falta até urubu pra lhe comer
Se passar mais um ano sem chover
Vai ficar pouca gente no Sertão
Já passou-se Janeiro não choveu
Fevereiro foi seco não pingou
Quando em março o inverno começou
Porém só uma chuva nele deu
Quem plantou a lavoura se perdeu
Com quarenta e seis dias de verão
Já que o povo não tem outra opção
A vingança que tem é só dizer:
Se passar mais um ano sem chover
Vai ficar pouca gente no Sertão.
Eu só sei que daqui pra o fim do ano
É certeza que a água vai faltar
Pra beber, pra lavar, pra cozinhar
Só se for de algum poço artesiano
Nessa água quem for lavar um pano,
Ela corta a espuma do sabão
Da que encrua caroço de feijão
Assim mesmo é melhor do que não ter
Se passar mais um ano sem chover
Vai ficar pouca gente no Sertão.
Sem chover o Sertão não vale nada
Pois a seca só trás calamidade
Carro-pipa abastece uma cidade
Mas água que traz é limitada
Vê-se a fila de latas na calçada
Todo mundo esperando o caminhão
Nisso o povo se agita ,faz pressão
Que o prefeito só falta endoidecer
Se passar mais um ano sem chover
Vai ficar pouca gente no Sertão.
Essa seca perversa foi quem fez
A miséria cruel que está se vendo
A pobreza humilhada recebendo
Uma feira que vem de mês em mês
Mas a feira que veio da última vez
Só foi óleo fubá e macarrão Q
Quando vem um punhado de feijão
Não há fogo que faça amolecer
Se passar mais um ano sem chover
Vai ficar pouca gente no Sertão.
Sertanejo tornou-se um flagelado
De lucrar já perdeu a esperança
Por que tudo demais a gente cansa
Esse povo já está desenganado
Disse um velho que vinha do roçado:
Já perdi toda minha plantação
Pra acabar com a safra de algodão
Só faltava o bicudo aparecer
Se passar mais um ano sem chover
Vai ficar pouca gente no Sertão.
* * *
Um folheto de Leandro Gomes de Barros
O COMETA
Caro leitor vou contar-lhe
O que foi que sucedeu-me,
O medo enorme que tive,
Que todo corpo tremeu-me,
Para falar a verdade
Digo que o medo venceu-me.
Eu andava aos meus negócios,
Na cidade de Natal,
No hotel que hospedei-me
Apareceu um jornal,
Que dizia que no céu
Se divulgava um sinal.
O sinal era o cometa
Que devia aparecer,
Em Maio, no dia 18
Tudo havia de morrer,
Aí sentei-me no banco,
Principiei a gemer.
GERALDO AMÂNCIO E A ARTE DA GLOSA

O grande poeta repentista Geraldo Amâncio, um cearense que já levou sua arte até pro exterior
Todas as glosas a seguir são da autoria de Geraldo  Amâncio
Mote:
Toda lei ultrapassada
Só favorece o bandido.
Se for um parlamentar
Pode ter crime a vontade
Que o dedo da impunidade
Não deixa lhe investigar.
Se alguém o denunciar
É sujeito a ser punido,
Processado e ser tangido
Pra o beco da emboscada;
Toda lei ultrapassada
Só favorece o bandido.
Mote:
Não tem nada parecido
Com o amor da mãe da gente.
A mãe nova ou mãe antiga
Tem coragem como loba
Se tem um filho que rouba
Pra defendê-lo se obriga
Se a polícia lhe investiga
Diz que o filho é inocente
Grita, chora, jura e mente
Defende o filho bandido.
Não tem nada parecido
Com o amor da mãe da gente.
* * *
Mote:
Pra que tanto tesouro acumulado
Se ninguém leva nada no caixão.
Não adianta um pecador enganar
E nessa vida viver da fase crítica
Entre luta, entre roubo, entre política
Pra depois nesse mundo ele enricar
Que se a gente também for comparar
Desde um rico para um pobre cristão
Para Deus vale mais quem pede um pão
Do que um presidente ou deputado
Pra que tanto tesouro acumulado
Se ninguém leva nada no caixão.
Mote:
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.
Quem foi pai do folheto nordestino
Foi Agostinho Nunes do Teixeira,
Escreveu a história pioneira
Com os filhos Nicandro e Ugolino.
Prosseguiu com Germano e com Silvino,
Eis aí a primeira geração.
O romance no estado de embrião
Fervilhou no poder imaginário,
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.
Teve berço no chão paraibano,
Da cultura do povo um grande guia,
Registrou a primeira cantoria
Na peleja de Inácio com Romano.
A memória do padre Otaviano
Levou luz  onde havia escuridão,
O veículo maior de informação
E o primeiro jornal do proletário
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.
O cordel memoriza a cantoria
Na peleja de Pinto com Marinho,
Com o Cego Aderaldo e Zé Pretinho,
O que via apanhou do que não via.
Zé Gustavo e Roxinha da Bahia,
Nisso tudo aparece até o cão,
Na peleja do Diabo e Riachão
Foi Assu testemunha do cenário,
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.
A maior expressão do menestrel
Não há força que atinja o seu alcance
O campônio conhece por romance
Ou então por folheto de papel.
Só depois veio o nome de cordel,
Que em feira era exposto num cordão
Ou então numa lona pelo chão
E um poeta a cantar feito um canário.
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.
Registrando o passado e o presente,
Para tudo o cordel tem sempre espaço:
Pra amor; pra política, pra cangaço,
Romaria, promessa e penitente.
Retirante, romeiro, presidente,
Seca, fome, fartura, inundação,
Nele encontra o melhor documentário,
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.
POEMAS NORDESTINADOS (II)

são josé do egito-2
São José do Egito, sertão pernambucano, onde se encontra poesia até nas paredes das casas:
poesia na parede-1poesia na parede-2
MINHA TUDO! SÃO JOSÉ DO EGITO – Brás Ivan Costa Santos
Cada verso que faço é para ti
Como eram pra ti os que não fiz
Cada frase poética que desfiz
Era tua na hora que escrevi.
É assim desde o dia em que te vi
Aprendi a sofrer sendo feliz
Quando fujo de ti meu peito diz
Quanto ingrato eu fui quando fugi.
Nunca mais fiz um verso que prestasse
Quando faço uma rima é só disfarce
Escondendo a saudade do meu grito
Pois sem ti o meu verso é só metade
Sem te ver, musa mãe, mulher cidade
Minha tudo! São José do Egito.
* * *
RIO PAJEÚ – João Paraibano
Pajeú, teu cenário me encanta
Desde a voz do vaqueiro aboiador,
Ao Verão que desbota a cor da planta,
E a abelha que bebe o mel da flor.
O refúgio da caça que se espanta
No chiado dos pés do caçador,
A romântica canção que o rio canta
Na passagem de um ano chovedor.
Quando a chuva da nuvem inunda as grotas
O volume da água banha Brotas,
E onde a curva do rio faz um U…
Nasce um pé de esperança no teu povo;
Tudo indica que Cristo quando novo
Aprendeu a caminhar no Pajeú.
* * *
ANTÔNIO CONSELHEIRO – Patativa do Assaré
Cada um na vida tem seu
O direito de julgar.
Como tenho o meu também,
Com razão quero falar
Nestes meus verso singelos,
Mas de sentimentos belos
Sobre um grande brasileiro,
Cearense, meu conterrâneo.
Líder sensato, espontâneo,
Nosso Antônio Conselheiro
Este cearense nasceu
Lá em Quixeramobim.
Sei eu sei como ele viveu,
Sei como foi o seu fim.
Quando em Canudos chegou,
Com amor organizou
Um ambiente comum,
Sem enredos nem engodos,
Ali era um por todos
E eram todos por um
Não pode ser justiceiro
E nem verdadeiro é
O que diz seu Conselheiro ,
Enganava a boa fé
O Conselheiro queria
Acabar com a anarquia
Do grande contra o pequeno.
Pregava no seu sermão
Aquela mesma missão
Que pregava o Nazareno.
Com a sua simpatia,
Honestidade e brio
Ele criou na Bahia
Um ambiente sadio
Onde vivia tranquilo,
Ensinando tudo aquilo
Que a moral cristã encerra.
Defendendo os desgraçado
Do julgo dos potentados,
Dominadores da terra.
Seguindo um caminho novo,
Mostrando a luz da verdade,
Incutia entre o seu povo,
Amor e fraternidade
Em favor do bem comum,
Ajudava a cada um
Foi trabalhador e ordeiro,
Derramando o seu suor.
Foi ele o líder maior
Do nordeste brasileiro.
POEMAS NORDESTINADOS

POEMA DA MINHA TERRA – Rogaciano Leite
* * *
NÊNIA PARA GENÁRIO – Doddo Félix
(Quando do falecimento do poeta popular Genário Vieira da Silva)
Genário, meu camarada,
encerras tua jornada
hoje em teu sepultamento.
Ontem, poeta, escrevias
inspiradas poesias
repletas de sentimento.
Mas a morte, traiçoeira,
te ceifou dessa maneira,
independente de aviso,
nos deixando consternados,
corações amargurados
sem que isso fosse preciso.
Tua esposa, Mariquinha,
vai ficar triste e sozinha,
amargando a sua dor,
tendo por consolação
guardadas no coração
as marcas do teu amor.
Num final triste de junho,
como todos, me acabrunho
por perder um grande amigo,
poeta de qualidade
que deixa luto e saudade
ao se encerrar num jazigo.
Ainda ontem, poeta,
perseguindo a tua meta,
parecias tão ditoso!
Cantavas a nossa terra:
cada rua e cada a serra
deste jardim majestoso.
Mas nem sempre se consegue
aquilo que se persegue…
A vida é cheia de engodos.
Nosso Pai celestial
é quem decide, afinal,
o destino de nós todos.
Sendo assim, poeta amigo,
vai, porém leva contigo
essa sentida homenagem.
Para nós tu não morreste,
pois os versos que escreveste
perpetuarão tua imagem.
* * *
NOS CAFUNDÓ DO SERTÃO – Onildo Barbosa
Caco de cuia, cabaça,
Tacho de barro coité,
Urupema, jereré,
Baleeira e alçapão,
Gamela de mulungú,
Trinchête, pinhão, ponteira
A gente avista na feira,
Nos cafundó do sertão.
Enfileira de piaba,
Cangatí, cará, corró,
Pau de cangalha, bozó,
Candeeiro, lampião,
Caçuá, jarra, quartinha,
Machado, foice e peneira,
A gente avista na feira,
Nos cafundó do sertão.
Mel de cana, rapadura,
Caco de fazer pipoca,
Fogo de flecha, taboca,
Torradeira de assar pão,
Alfinim, caldo de cana,
Chapéu de couro e perneira,
A gente avista na feira
Nos cafundó do sertão.
Trança de alho, arapuca,
Quixó, de pegar preá,
Sacola de caroá,
Cabo de enxada, mourão,
Lamparina à querosene,
Dobradiça de porteira,
A gente avista na feira,
Nos cafundó do sertão.
Chinelo de couro cru,
Marra, chocalho, sacola,
Grampo de cerca, gaiola,
Bodoque, mão de pilão,
Serrote, sela, cabresto,
Banco de pau e cadeira,
A gente avista na feira
Nos cafundó do sertão.
CINCO POEMAS DE ZÉ DA LUZ

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Severino de Andrade Silva, mais conhecido como Zé da Luz, nasceu na cidade paraibana de Itabaiana em 1904, foi um alfaiate de profissão e poeta popular brasileiro; morreu no Rio de Janeiro em 1965
* * *
A CACIMBA
Tá vendo aquela cacimba
Lá na bêra do riacho,
Im riba da ribancêra,
Qui fica, assim, pru dibaxo
De um pé de tamarinêra?
Pois, um magote de môça
Quage toda menhanzinha,
Foima, assim, aquela tuia,
Na bêra da cacimbinha
Tomando banho de cuia!
Eu não sei pru quê razão,
As águas dessa nacente,
As águas qui alí se vê,
Tem um gosto deferente
Das cacimba de bêbê…
As águas da cacimbinha
Tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem insôça…
Tem um gostim do suó
Dos suvaco déssas môça…
Quando eu vejo essa cacimba,
Qui inspio a minha cara
E a cara torno a inspiá,
Naquelas águas quilara,
Pego logo a desejá…
…Desejo, pra que negá?
Desejo ser um caçote,
Cum dois óio desse tamanho!
Pra vê, aquele magóte
De môça tumando banho!
* * *
BRASI CABOCO
O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!
É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro…
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!
Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão…
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.
Brasi caboco num sabe
falá ingrês nem francês,
munto meno o português
qui os outros fala imprestado…
Brasi caboco num inscreve;
munto má assina o nome
pra votar pru mode os home
Sê gunverno e diputado
Mas porém. Brasi caboco,
é um Brasi brasileiro,
sem mistura de instrangero
Um Brasi nacioná!
É o Brasi sertanejo
dos coco, das imbolada,
dos samba, dos vialejo,
zabumba e caracaxá!
É o Brasi das vaquejada,
do aboio dos vaquero,
do arranco das boiada
nos fechado ou tabulero!
É o Brasi das caboca
qui tem os óio feiticero,
qui tem a boca incarnada,
como fruta de cardoro
quando ela nasce alejada!
É o Brasi das promessa
nas noite de São João!
dos carro de boi cantano
pela boca dos cocão.
TRÊS CANTORIAS E UM FOLHETO DO FUBÂNICO JOSÉ HONÓRIO

Poetas repentistas Acrisio de França e Antonio Costa glosando o mote:
“Esse meu coração mal dirigido 
continua a bater na contra mão”
* * *
Poetas repentistas Louro Branco e Geraldo Brito:
* * *
Poetas repentistas Valdir Teles e João Paraibano:
* * *
José Honório da Silva
A VOLTA DE VIRGULINO PRA CONSERTAR O SERTÃO
Conta Caetano Veloso
Num verso espetacular:
“Minha mãe me deu ao mundo
De maneira singular
Me dizendo uma sentença
Pra eu sempre pedir licença
Mas nunca deixar de entrar”
E por isso eu peço à História
E aos guardiões da verdade
Permissão para escrever
Com natural liberdade
Solto no tempo e no espaço
Um tema sobre Cangaço
Justiça, Moralidade.
O tempo bom já se foi
Muita gente pensa assim
E se a vida era difícil
Por certo está mais ruim
Parece até que este mundo
Mergulha num caos profundo
Já decretando o seu fim.
Hoje em dia só se vê
Guerra, sequestro, atentado
Miséria, fome, doença
Vulcão, enchente, tornado
Desemprego, violência
Corrupção, indecência
Se espalham por todo lado.
Os jovens sem esperança
Que haja melhores dias
Se entregam logo às drogas
Às badernas e às orgias
Amparando-se em galeras
Se tornam vorazes feras
Fazendo selvagerias.
DEZ MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE CANGAÇO

Manoel Xudu
O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo
* * *
Manoel Bentevi
Minha carne só é nervo e cabeloro
O espinho de juá bate e não fura
Minha saliva salva qualquer mordedura
Se a jiboia morder por desaforo
Tiro o veneno da bicha faço soro
E dou vida a qualquer um ser vivente
Seja qual for a qualidade da serpente
Estando mesmo quieta ou assanhada
Por acaso ela me dando uma picada
É capaz de ficar sem nenhum dente.
* * *
Nonato Costa
Quem compete com os anos perde a luta
Sem nenhum artefato de defesa,
Pois o fórum de Deus ganha a disputa
Decretando a falência da beleza,
As madeixas caindo a pele verte,
Não tem creme hidratante que conserte,
E nenhum tipo de plástica que ajude,
Na agência bancária do futuro
O presente começa a pagar juro
Do empréstimo que fez na juventude.
* * *
Mariana Teles
O levantar da cabeça
É sempre a melhor saída
Passar por cima dos baques,
Molhar com pranto a ferida,
Sem cansar, nem pedir pausa,
Na queda se enxerga a causa
Dos recomeços da vida!
* * *
João Paraibano
Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.
* * *
Zé Melancia
Já fui cantador destemido
Cantador de alta classe…
Já cantei face a face
Com poeta garantido…
Com rima e verso medido,
Na matéria e em repente,
Quem fui eu antigamente,
Quem estou sendo hoje em dia,
Só resta da melancia
A casca e uma semente
* * *
Cícero Vieira da Silva
Nasci numa cordilheira
Numa casa muito ruim,
As telhas eram de capim
E a porta era uma esteira;
No pé de uma ladeira
Foi onde fizeram ela
Se um gato subisse nela
Só faltava derribar…
Antes da chuva chegar
Já chovia dentro dela.
OITO MESTRES DO IMPROVISO E A DISCUSSÃO DO MACUMBEIRO E O CRENTE

Diniz Vitorino
E as abelhas pequenas, sempre mansas
Com as asas peludas e ronceiras
Vão em busca das pétalas das roseiras
Que se deitam no colo das ervanças
Com ferrões aguçados como lanças
Pelo cálix das flores bebem essência
E fazem mel que os mestres da Ciência
Com os séculos de estudo não fabricam
Porque livros da Terra não publicam
Os segredos reais da Providência.
* * *
Manoel Bentevi
Da bobina para o distribuidor
Há um cabo que passa uma centelha clara
Meto o pé no arranco, ele dispara
Toda vez que acelero meu motor
O combustível entra no carburador
A entrada de ar transforma o gás
Com a compressão que ele faz
Forma o jato, o êmbolo vai subindo
Vai queimar na cabeça do cilindro
A fumaça da gasolina sai por trás.
* * *
Mariana Teles
Toca a brisa da noite no portão
O cabelo se assanha com o vento
O balanço da rede em movimento
E um rádio tocando uma canção
A saudade arranhando um coração
E a duvida de um sempre, ou nunca mais
Uma lágrima caindo e o vento faz
Se espalhar pela face entristecida
Eu na rua buscando achar saída
Pra tristeza que a tua falta trás.
Faço um verso, misturo com aguardente
Um cinzeiro com as cinzas do veneno
Numa noite sem lua me enveneno
Por não ter o clarão do céu presente
O espelho espelhando em minha frente
A metade de um todo que foi nosso
Eu procuro não ver, mas tem um troço
Pra abrir os meus olhos quando fecho
Sem ter sono, inquieta me remexo
Que dormir sem você ,sei que não posso.
Vem o vento, tocar-me bem mais forte
O relógio passando sem medida
Ao meu lado, um copo de bebida
Refletindo o futuro : que é a morte …
Nele afogo o desgosto, já que a sorte
Resolveu repartir nossa união
Te guiando pra outra direção
E deixando meus olhos sem os teus…
De lembrança ,restou o teu adeus
E a saudade entupindo o coração.
* * *
João Lourenço
Eu já passei tanta coisa
Que na vida nem pensava
Pra minha felicidade
A mulher que eu procurava
Deus teve pena de mim
Mostrou aonde ela estava
* * *
Fenelon Dantas
O rádio é para se ouvir
E todo mundo entender
O telefone é melhor
Para a gente ouvir sem ver
No telefone eu namoro
Sem minha mulher saber.
GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE DISCUSSÃO

Poeta Hélio Crisanto, colunista do JBF e sacerdote da Igreja Sertaneja
Hélio Crisanto glosando o mote:
Sou poeta, matuto e violeiro
E a história que conto é do sertão
Eu só sei cortar mato de enxada
Amansar burro brabo e fazer broca
Dar solfejos com flauta de taboca
Tirar leite rompendo a madrugada
Meu cardápio é queijo com coalhada,
Rapadura batida com feijão
Já botei muita água de galão
Enchi pote com água de barreiro
Sou poeta, matuto e violeiro
E a história que conto é do sertão
* * *
Jó Patriota glosando o mote:
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.
Eu pensei que tu eras inocente
Como a Virgem quando foi anunciada
Por mim mesmo tu foste comparada
Com a estrela Dalva refulgente
Que guiou os três reis do Oriente
À visita do Pai da Criação
Mas agora provaste a revelação
Que tiveste comigo foi perdido
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.
Tu de falsa roubaste o meu amor
Tu não tens coração mulher ingrata
Teu fingir cada vez mais me maltrata
Mais eu sofro, mais gemo, tenho dor
Se ao menos não fosse um cantador
Não conhecesse saudade nem paixão
Pois quem é desprezado sem razão
Perde até o direito da dormida
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.
* * *
Carlos Alexandre glosando o mote:
Um castelo de sonhos foi desfeito
No momento da nossa despedida.
Só consegue entender o meu tormento
Quem um dia sofreu por rejeição
É mais forte essa dor no coração
Quanto mais verdadeiro o sentimento
É difícil abrandar um sofrimento
Por paixão que não foi correspondida
Mas a dor se apresenta mais doída
Quando faz da saudade o seu efeito
Um castelo de sonhos foi desfeito
No momento da nossa despedida.
O seu rosto há muito que não vejo
E a dor da saudade só aumenta
Pois a sua presença não se ausenta
Das lembranças que tenho de sobejo
Reconheço que ainda lhe desejo
Abrigando esperanças sem medida
Mas se nunca por mim foi esquecida
Só a vejo em meus sonhos quando deito
Um castelo de sonhos foi desfeito
No momento da nossa despedida.
* * *
Cordeiro Manso glosando o mote:
Fiz deixação da enxada
Por ser um ferro ruim
Quando eu puxava por ela
Ela puxava por mim.
Não sei quem foi que inventou
Aquele ferro malvado
Um bicho malamanhado
Só sendo o cão que forjou
Porque Deus que nos criou
Não deixou coisa malvada
Depois da bicha encaibada
Só faz é calo na mão
Por essa grande razão
fiz deixação da enxada.
Eu comprei uma enxada
botei um cabo de pau
porem aquele ferro mau
me deu uma canelada
deixou-me de unha arrancada
nunca vi doer assim!
Foi um enfado sem fim
meu corpo todo doía
até que deixei um dia
por ser um ferro ruim.
Eu deixei por um motivo
qual me queixo  a vida inteira
Quando limpei três carreiras
Estava mais morto que vivo
Tomei um nota no livro
Para não esquecer mais dela
Com suor e mela-mela
Quase queimou a botica
o suor corria em bica
quando eu puxava por ela.
Vi-me em tormentos cruéis
com tal ferro arrenegado
se puxava pra meu lado
lá vinha cortar-me os pés
eu não tenho meus derréis
para dar por tal Caim
que deixou-me surubim
com mormos pela canela
quando eu puxava por ela,
ela puxava por mim.
TRÊS POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ

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 Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré (Mar/1909 – Jul/2002)
1) A TRISTE PARTIDA (interpretado por Luiz Gonzaga)
* * * 
2) A MULHER QUE MAIS AMEI
Era um modelo perfeito
A mulher que mais amei,
Linda e simpática de um jeito
Que eu mesmo dizer não sei.
Era bela, muito bela;
Para comparar com ela,
Outra coisa eu não arranjo
E por isso tenho dito
Que se anjo é mesmo bonito,
Era o retrato dum anjo.
Sei que alguém não me acredita,
Mas eu digo com razão,
Foi a mulher mais bonita
De cima de nosso chão;
Era mesmo de encomenda
E do amor daquela prenda
Eu fui o merecedor,
Eu era mesmo sozinho
Dono de todo carinho
Daquele anjo encantador.
Era bem firme a donzela,
Só em mim vivia pensando.
Quando eu olhava ela,
Ela já estava me olhando.
Para a gente conversar
Quando eu não ia, ela vinha,
Um do outro sempre bem perto
Nosso amor dava tão certo
Quem nem faca na bainha.
E por sorte ou por capricho,
Eu tinha prata, ouro e cobre.
Dinheiro em mim era lixo
Em casa de gente pobre.
Nós nunca perdíamos ato
De cinema e de teatro
De drama e mais diversão,
Não faltava coisa alguma,
As notas eu tinha de ruma
Para nós andar de avião.
Meu grande contentamento,
Não havia mais maior
E nossos dois pensamentos
Pensava uma coisa só.
Para desfrutar a minha vida
Perto de minha queria
Eu não poupava dinheiro.
Tanta sorte nós tivemos
Que muitas viagens fizemos
Nas terras do estrangeiro.
E quando nós se trajava
E saía a passear
O povo todo arredava
Para ver nos dois passar
Cada qual mais prazenteiro
Deste nosso mundo inteiro
Nós dois éramos os mais feliz
Vivíamos nas altas rodas
E só trajava nas modas
Dos modelos de Paris.
Assim a vida corria
E o prazer continuava
Aonde um fosse o outro ia
Onde um tivesse o outro estava;
Para festa de posição
Das mais alta ingorfação
Nunca faltava convite
Para dizer a verdade
A nossa felicidade
Já passava dos limites
Era boa a nossa sorte
E não mudava um segundo
Ninguém pensava na morte
E o céu era aqui no mundo.
Na refeição nós comia
Das melhores iguarias
Sem falar de carne e arroz
E por isso muita gente
Ficava rangendo os dentes
Com ciúmes de nós dois.
Foi uma coisa badeja
A vida que eu desfrutei,
Mas para quem tiver inveja
Dessa vida que levei
Com tanta felicidade,
Eu vou dizer a verdade,
Pois não engano ninguém.
Aquele anjinho risonho
Eu vi foi durante um sonho;
Mulher nunca me quis bem!
A história não foi verdade,
Todo sonho é mentiroso
Aquela felicidade
De tanto luxo e de gozo
Sem o menor sacrifício,
Foi negócio fictício,
Não foi coisa verdadeira.
Eu fiquei dando o cavaco:
“Este alimento fraco
Só dá para sonhar besteira.”
De noite eu tinha jantado
Um mugunzá sem tempero
E acordei alvoroçado
Sem mulher e sem dinheiro;
Ainda reparei bem
Para vê se via alguém
De junto de minha rede
Mas, em vez de tudo aquilo
Só ouvi cantando o grilo
Nos buracos da parede.
Quando acordei estava só
Sem ter ninguém do meu lado,
Era muito mais melhor
Que eu não tivesse sonhado.
Quem já vai no fim da estrada
Levando a carga pesada
De sofrimento sem fim,
Doente, cansado e fraco
Vem um sonho enchendo o saco
Piorar quem já está ruim.
* * *
3) CONVERSA DE MATUTO
Meu amigo João Moiriço,
Eu agora fiquei certo
Que nóis já tá bem perto
De sair do sacrifico.
Eu onte uvi num comiço
De um dotô candidado,
Home sero e muito isato
E ele garantiu que agora
Vai havê grande miora
Para o pessoá do mato.
No comiço ele falou
Que depois que ele vencê,
Vai com gosto protegê
A cada um inleitô.
O povo trabaiadô
Que padece no roçado
Pode votá sem coidado
Que depois das inleição
Com a sua proteção
Vai tudo recompensado
DEZ MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO COM TEMA ATUAL

Poeta repentista cearense Geraldo Amâncio, um dos maiores cantadores da Nação Nordestina na atualidade
Geraldo Amâncio
Entre os Dez Mandamentos dos sermões,
Respeitar pai e mãe é o primeiro,
O defeito de um filho é ser grosseiro;
A virtude dos pais é serem bons.
Todo filho tem três obrigações:
Escutar, respeitar e obedecer;
Respeitar pai e mãe é um dever;
Esquecer mãe e pai é grosseria,
Se não fossem meus pais, eu não teria
O direito sagrado de viver.
* * *
José Moura
Toda noite eu me deito constrangido
Como um ente que vive em abandono,
Passo horas inteiras sem ter sono
E só durmo depois de um comprimido.
Quando acordo é nervoso e abatido,
Os meus sonhos são cheios de aflição,
Aí rezo com fé uma oração
Chegam mil esperanças novamente.
Acredito que Deus está presente
No silêncio da minha solidão.
* * *
Lourival Batista
De fato meu companheiro
Muito velho já estou
Completei sessenta anos
Já fui pai, já sou avô
Pra mulher, não sou mais nada
Mas pra quem canta, inda sou.
* * *
Louro Branco
E por falar em cachaça
Eu já tomei mais d’um tubo
Estou feito terra fraca
Precisando de adubo
Em mulher num subo mais
Mas em cantador eu subo.
* * *
Dedé Monteiro
No dia de abandonar
O meu torrão querido,
Ouvi meu próprio gemido
A me pedir pra ficar…
Mas, vendo que de voltar
Havia pouca esperança,
Triste como uma criança
Que está com fome ou com sede
No punho da minha rede
Deixei um nó por lembrança.
* * *
Zé Catota
Meu sonho foi diferente
Foi coisa desconhecida
Eu vi dois vultos passando
Em carreira desmedida
Era o cavalo do tempo
Atrás da besta da vida.
* * *
Josenir Lacerda
A poesia pra mim
É uma amiga sincera
Que assume meus queixumes
Faz de inverno, primavera
Compreende os meus medos
Guarda fiel meus segredos
Meu sonho, minha quimera.
* * *
GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS

Os jovens poetas cantadores Raimundo Nonato e Nonato Costa (Os Nonatos)
A dupla Raimundo Nonato e Nonato Costa trabalhando o mote
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
Você pode habitar em outro ninho
E visitar ambientes que eu não vou
Trabalhar, viajar, assistir show
Sem que eu seja uma sombra em seu caminho
Se negar a aceitar o meu carinho
Não sentir mais saudade de me ver
Só não pode é no intimo do meu ser
Passar uma borracha e apagar
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
Só restaram do amor que foi desfeito
Os melhores momentos dessa história
As lembranças do vídeo da memória
E as promessas no cofre do meu peito
Aceitar que perdi, eu não aceito
Mas estou consciente de não ter
Nunca mais o direito de poder
Pelo menos na boca lhe beijar
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
Você tem o direito de exigir
Que eu me afaste de vez da sua vida
Que não sente mais falta na dormida
Que não tem mais lembrança de sair
Mas você nem ninguém pode impedir
Que eu escute isso tudo sem sofrer
E se me ver gargalhando pode crer
Que por dentro eu não paro de chorar
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
Porque sua beleza não é pouca
Não existe uma réplica nem seu clone
E sua voz de CD no telefone
Inda deixa minh’alma quase louca
Se outro homem beijar a sua boca
E num abraço apertado lhe prender
Se eu chegar a ver isso e não morrer
Pelo menos em coma eu vou ficar
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
Por mais vezes que eu lute e que ele tente
Me recuso a ouvir certos boatos
É inútil eu rasgar os seus retratos
Se você tá inteira em minha mente
Já liguei pro trabalho estava ausente
E onde estava negaram a me dizer
No de casa não quer mais me atender
Mas eu tô rastreando o celular
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
Fiz diversas consultas no INCOR
Pra saber o que eu tinha de verdade
O eletro acusou que era saudade
E se você não voltar fica pior
Vou mandar escrever num outdoor
Uma declaração pra você ler
Tenho tanta paixão que pra caber
Só se meu coração virasse um mar
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
Certamente adorá-la foi meu crime
Nem por isso eu estou arrependido
Você pode dizer que tem marido
Que tem filho e não quer que eu me aproxime
Não existe outra pele mais sublime
E outro cheiro melhor não pode haver
Seu amor não é coisa de comer
Mas eu fico sem fome se provar
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
 
Inda tenho comigo seu cartão
Telefone, endereço, carta e foto
Lhe dei todo meu tempo e hoje noto
Que não tenho um minuto de atenção
Mergulhado no cais da solidão
Sem nenhuma noticia receber
Prometi pra mim mesmo não querer
Nunca mais por ninguém me apaixonar
Você pode pedir preu me afastar
Só não pode obrigar-me a lhe esquecer.
* * *
João Paraibano glosando o mote:
Sinto a nossa esperança se queimando
Nas fogueiras da seca nordestina.
Não escuto um trovão estremecer
Uma nuvem no céu ninguém enxerga
A lavoura sedenta se enverga
Procurando o chão seco pra morrer
Na pequena cacimba de beber
Você cava uma veia ela não mina
Você olha pra os seios da campina
Só tem foco de incêndio levantando
Sinto a nossa esperança se queimando
Nas fogueiras da seca nordestina.
UM TEMA ATUAL

AS SECAS – Vinícius Gregório
É a seca matando nosso gado
E o governo a achar tudo normal…
Pois preferem falar em copa, em festa.
Isso aí dá mais voto, é mais legal.
E essas secas se encaixam feito luva:
Pois se vê no Sertão seca de chuva, 
Nos políticos a seca de moral.
Cada esfera que culpe a outra esfera
O prefeito que diz que nada fez,
Pois o líder do estado é quem devia…
Esse aí, pra fugir, por sua vez,
Joga a culpa no líder da nação,
Entretanto nos tempos de eleição
Vêm os três pedir votos para os três.
E o pior é o silêncio que faz eco,
Maquiando a real situação.
Quando a chuva voltar, vejo os discursos:
“Pronto, gente, não há mais sequidão,
Nesta seca tomamos as medidas
E por isso salvamos muitas vidas…”
Quem quiser que acredite, mas eu não.
Vamos, gente, se movam, falem, gritem,
Cobrem mais dos políticos deste chão…
Ou preferem ver cenas como esta
Cada vez que vier novo verão?
Não se curvem pra vil politicagem,
Pois quem é deste chão, sem ter coragem,
Não merece ser filho do Sertão!
* * *
A SECA E A MÁ VONTADE POLÍTICA – Henrique Brandão
O acalanto maior
Pro coração sertanejo
É ver riacho em enchente
Da bica ouvir o gotejo
Porém quando a chuva atrasa
Deixa o sertão feito brasa
Queimando a alma da gente
Deixa a paisagem cinzenta
E a bicharada sedenta
Deitada no solo quente.
Nossa terra infelizmente
Sofre com a má vontade
De uma corja que castiga
Sem dó e sem piedade
Mas nosso povo com isso
Que nunca foi submisso
Segue de cabeça erguida
Rezando e olhando pro céu
Pois quem tem deus é fiel
E nem seca atrasa sua vida.
Não é por causa da seca
Que o povo sofre e lamenta
No ano seco ele sofre
Mas por ser forte ele aguenta
O que deixa indignado
É ver o povo cansado
De mentira e de promessa
Ser for pra ajudar, que venha
Se não, bem longe mantenha
Pois que tem fome, tem pressa.
Enquanto gastam milhões
Sem lembrar do sertanejo
Metem a cara na tv
Pra oferecer sobejos
Isso não é arrogância
Mas quem vive na abundância
Nosso sertão tudo tem
Não se anima com conversa
Pois nem queremos promessa
Nem esmola de ninguém.
Se a seca é realidade
Mude logo o pensamento
Irrigue esse solo fértil
Pra produzir alimento
Não deixe um povo feliz
Que construiu o país
Sofrer neste desatino
Pois mesmo com a estiagem
Não tem mais linda paisagem
Que a do solo nordestino.
UM FOLHETO PRA SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO

OS SOFRIMENTOS DE JESUS CRISTO – José Pacheco
sofrimentos de CRISTO
Oh ! Jesus meu redentor
Dos altos céus infinitos
Abençoai meus escritos
Por vosso divino amor
Leciona um trovador
Com divina inspiração
Para que vossa paixão
Seja descrita em clamores
Desde o princípio das dores
Até a ressurreição.
Dentro do livro sagrado
São Marcos com perfeição
Nos faz a revelação
De Jesus crucificado
Foi preso e foi arrastado
Cuspido pelos judeus
Por um apóstolo dos seus
Covardemente vendido
Viu-se amarrado e ferido
Nas cordas dos fariseus.
Dantes predisse o Senhor
Meus discípulos me rodeiam
E todos comigo ceiam
Mas um me é traidor
Só a mão do pecador
Meu corpo ao suplicio vai
Porém vos digo que vai
Do homem que por dinheiro
Transforma-se traiçoeiro
Contra o filho de Deus Pai.
Todos na mesa consigo
Clamavam em alta voz
Senhor, Senhor qual de nós
Vos trai dos que estão contigo
Disse Cristo: é quem comigo
Juntamente molha o pão
E todos me deixarão
Mas São Pedro respondeu
Mestre garanto que eu
Não vos deixarei de mão.
Em verdade deixarás
Nesta noite sem tardar
Antes do galo cantar
Três vezes me negarás
Pedro com gestos leais
Disse em voz compadecida
Eis-me a morte preferida
Mas não serei teu contrário
Ainda que necessário
Me seja perder a vida.
Estava tudo benquisto
Com Pedro dizendo igual
Até na hora fatal
Da prisão de Jesus Cristo
Então quando se deu isto
Pedro a espada puxou
Num fariseu despejou
Um golpe tão destemido
Que destampou-lhe o ouvido
Quando a orelha voou.
Ouviu a voz sublimada
De Cristo em reclamação
Dizendo em repreensão
Pedro guarde a tua espada
Deixa não promovas nada
Porque tudo é permitido
Não sejas enfurecido
Não tentes e nem te alteres
Pois se com o ferro feres
Com ele serás ferido.
Jesus na frente seguia
Na hora que lhe prenderam
Todos discípulos correram
Mas Pedro atrás sempre ia
De longe coitado via
Jesus de queda e de trote
Sobre as mãos do grande lote
Cada bordoada um passo
Até chegar no terraço
Da casa do sacerdote.
Depois da tropa chegada
Jesus foi interrogado
Bastantemente acusado
E Pedro viu da calçada
Quando veio uma criada
Perguntando com rigor
- Tu és acompanhador
Do que está preso aqui?
Pedro disse: eu nunca vi
Nem conheço esse senhor.
QUATRO MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE DEBATE

Dimas Batista (1921 – 1986)
Dimas Batista
Nasci no sertão, desfrutando as virtudes
Do tempo de inverno, fartura e bonança.
Depois veio a seca, fugiu-me a esperança
Deixando-me assim, de tristeza tão rude.
Vi secos os rios, fontes e açudes.
E eu que gostava tanto de pescar,
Saí pelo mundo tristonho a vagar,
Fui ter numa praia de areias branquinhas
E vendo a beleza das águas marinhas,
Cantei meu galope na beira do mar.
Ali na cabana de alguns pescadores,
Fitando a beleza do mar, do arrebol,
Bonitas morenas queimadas de sol,
Alegres ouviram cantar meus amores.
O vento soprava com leves rumores,
O pinho a gemer, depois de chorar.
Aquelas morenas à luz do luar
Me davam impressão que fossem sereias,
Alegres, risonhas, sentadas nas areias,
Ouvindo os meus versos na beira do mar.
Eu sempre que via, lá no meu sertão,
Caboclo vaqueiro de grande bravura,
Vestido de couro, na mata mais dura,
Entrar pelo mato e pegar o barbatão,
Ficava pensando, na minha impressão:
Não há quem o possa, em bravura igualar;
Mas depois que vi o praiano pescar
Numa frágil jangada, ou barco veleiro,
Achei-o tão bravo, tal qual o vaqueiro,
Merece uma estátua na beira do mar.
* * *
Sebastião da Silva
Sete letras da saudade
com as três letras da dor,
as seis letras da paixão
com as quatro letras do amor
são sentimentos que moram
no peito do cantador!
*
É de Princesa Isabel
este vate popular;
pode ser príncipe dos versos,
que Princesa é seu lugar;
quem é filho de princesa
é príncipe onde chegar.
*
Pra levar Dimas Batista,
a morte perversa veio;
levar o mais novo é triste;
levar o mais velho é feio.
Deus, respeitando os extremos,
mandou buscar o do meio!
*
Foi à forca Tiradentes
com a maior paciência;
seu sangue se derramava,
e a terra, por inocência,
bebia o sangue de um filho
que quis dar-lhe a independência.
* * *
Onésimo Maia
Com a minha cantoria
estou vivendo tranqüilo:
urubu não ganha fama,
não canta, não tem estilo!
Todo dia come carne,
Sem saber quanto é um quilo!
*
A mulher veio pedir
que eu passe o Natal com ela,
mas eu vou ganhar dinheiro
pra trazer o comer dela;
que é melhor faltar na cama
do que faltar na panela.
*
Eu voto em Zé Agripino,
que é santo da minha Sé,
porque me deu um emprego
que garante o meu café:
sou o vigia de um grupo
que inda sei onde é.
*
Da casa de Lima Neto,
quando você se aproxima,
a empregada diz logo:
– Venha correndo, seu Lima!
Chegou o cantador torto
que o gambá mijou em cima!
*
Ele é bom pai para os filhos
E um bom filho para Deus.
Eu sempre fui o canário
Das festas dos filhos seus,
Pois, do alpiste dos dele,
Eu ganho a ração dos meus.
*
Quando eu vier outra vez,
seu filho já está crescido;
essa moça tem casado,
já tem largado o marido;
sua mulher tá com outro
e o senhor já tem morrido.

Um comentário:

  1. Tem um poema de João paraibano que lembro só o fim que diz assim, na hora da dor da morte há de meu nome lembrar e de morrer dizendo quem dever tem que pagar.. já procurei e não encontro vc conhece esse poema

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Cantoria dia 21 de Outubro de 2017